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A mostrar mensagens de 2016

Deu tudo certo!

A mala está semi-feita, faltam as coisas pequenas, falta fechar, despachar e partir. É bom partir para casa, mas é difícil fechar este ciclo. Atrás de mim ficam as histórias, as pessoas com quem aprendi a ser bem mais que médica, ficam as coisas que só poderia ter vivido num país virado para o sol e para os sorrisos abertos. Elas ficam e vêm comigo no coração, porque a mala já tem excesso de peso, trago o que sou agora e que não era há três meses atrás.  Aliás, essa é a beleza desta experiência, vou provavelmente esquecer-me dos critérios do síndrome hemofagocítico, mas dificilmente da médica que deu chocolate e coca-cola à menina que tinha uma sonda naso-gástrica, dos meninos da enfermaria, dos adolescentes da consulta, isto tudo vai comigo e irá para onde eu for! Escrevo isto com o peito apertado, aquele desconforto na garganta, um incómodo que não sei explicar, no fundo estou ansiosa de chegar e a rebentar de saudades e ao mesmo tempo triste por deixar isto tudo para trás.

Mais um dia de consulta

Hoje escrevo de uma assentada só, o tempo escasseia e as vivências transbordam. Faltam só uns dias para partir e nestas páginas já faltaram 3 meses. É com um sorriso que olho para trás e sussurro entre dentes: “deu certo” como diriam estes meus novos amigos. É neste ambiente de “fazer a mala” que vos trago as histórias de hoje que na verdade são da semana passada, que vão sendo dos anos que passam pela vida destas crianças, as histórias têm nome, bochechas e birras, são pequenas, umas com final feliz, todas em construção, assim como os seus protagonistas. A consulta de pediatria começa devagar, um resumo do doente antes de entrar na sala, vêm à baila as histórias da infeção, este apanhou o HIV na barriga da mãe que nunca tomou a medicação, aquela menina foi abusada, aquela criança desconfiamos que também… e continuam as histórias que tornam as sístoles rápidas e secas, batimentos duros que lutam com a injustiça, os olhos pestanejam, as mãos arrefecem e a criança entra no gabine

Às voltas na pediatria

Ando às voltas com este texto, enrolado nas pontas do pensamento, sem fim, sem meio, mas com vontade de ser dito. Um dia sonhei ser voz de quem não a tem, uns pela falta de boca e outros pela falta de ouvidos e atenção, um sonho daqueles que não se contam a ninguém, uma inconfidência, uma janela demasiado alta para quem só tem dois pés e duas mãos. Um dia, dois dias, três dias, agora já não tenho 14 anos, mas ficaram os sonhos, vieram as viagens pela medicina e pelos trópicos e vim parar ao Brasil. Cá ando eu de coração cheio, olhos arregalados, vontade de saber mais e ser mais, e o sonho volta! Incomodada escondo-me, ocupo-me, distraio-me, procrastino, finjo, lembro-me que o problema não é meu, a história não é minha, a voz não me diz respeito. E o sonho volta, pedrinha no sapato, esta vontade de justiça, esta ânsia de reconstrução, este querer contribuir. Com o quê? Com a voz, com a história, com a lição e com o pedido de ajuda, com o pão e os peixinhos. E porque continuo incomodad

A festa continua!

A pediatria continua cheia de porcelanas.  É difícil sair dali sem perder um caco, sem um risco, sem uma lasquinha na ilustração, o coração sente a fragilidade a que não está habituado. Mas continuo, insisto nesta jornada que começa na razão da febre e termina na razão do abandono, do abuso, da injustiça.  Continuo? Vou tropeçando nas histórias, mas continuo. Vou chorando em sístoles disfarçadas, mas continuo. No entanto, há dias em que continuar é mais fácil, há pessoas que me empurram para a frente quando me pesa o choque da injustiça na barriga das pernas.  Trago-vos um destes empurrões na esperança que caminhemos mais juntos: A Dra. Y, a chefe da enfermaria, muito simpática, com um sotaque delicioso, com a experiência que muitos anos de pediatria, num país cheio de assimetrias, foram acrescentando. A manhã começou com a visita médica, discutimos todos os casos, tiram-se dúvidas, ela faz perguntas, as respostas vão aparecendo entre silêncios cúmplices. E aparece a doente X

Amanhã é dia de festa!

Acabei agora de tirar do forno um bolo. A casa cheira bem, cheira a confortável, o bolo está bonito, falta a cobertura de chocolate e as bolinhas coloridas, mas acho que no fim ficará um bonito bolo de aniversário! Amanhã é dia de festa na enfermaria de pediatria, um menino faz anos e nós vamos fazer uma surpresa, vai haver bolo, brigadeiros, e até um hamburger do MacDonald´s! Enquanto escrevo isto imagino a festa que aí vem sorrio e fico contente por poder participar! Ao mesmo tempo pesa-me o sorriso e o olhar resvala para a tristeza. A festa é especial, porque o motivo é especial, este menino é o mais especial de todos, gostava tanto que ele soubesse isso, este bolo de cenoura é a minha maneira de dizer isso… espero que ele entenda. A história que aí vem é triste, escura e feia. Nem sei se a devia partilhar convosco, será que a vamos entender? Ou vai ser só a desgraça alheia, como quando abrandamos o carro para ver um acidente (Quem bateu? Quantos carros? Há sangue?). Ess

Ainda vamos a meio!

  O dia está cinzento, volto do trabalho, estou cansada, talvez por isso o desenrolar lento dos passos, ou talvez porque chegar será igual a sentar-me a estudar. Não me apetece chegar! Então vou andando, este caminho já não me é estranho, conheço-lhe os detalhes, já sei que ali o pão não é bom, mas as mangas são (caras!) mas ótimas, um verdadeiro paraíso das mangas. E mais à frente, o pão é melhor e os bolos também, depois ao virar temos a frutaria orgânica, nunca tem mangas, mas tem dióspiros e laranjas da Bahia sempre doces, feios e pequenos se não os “orgânicos” levam a mal! Assim se passa um mês e meio! Aprendi as manhas da fruta e do fiambre que aqui não é fiambre é presunto, tenho sempre de repetir as frases e de preferência cantadas em português do Brasil, descobri que toda a gente gosta do meu sotaque e que todos os brasileiros têm um familiar português (seja uma tia, primo, afilhado, o vizinho da vizinha) e que sítio não é lugar, mas sim uma grande quinta! Comecei

A Epifania do Bonete!

Acordei com vontade de partilhar isto convosco, esta ideia anda a moer-me há demasiado tempo, ela vai aparecendo no meio dos meus pensamentos, vai espreitando, insinua-se, não explode, não dói, mas pica, incomoda, perturba, uma pedra no sapato, das pequeninas, como todas as angústias existenciais devem ser. Tudo começou numa daquelas caminhadas loucas que vão dar à praia mais bela do mundo, com as cachoeiras mais majestosas, e tudo imperdível e mais meia dúzia de elogios, passarinhos e bichinhos tropicais, pronto, lá me enganou… como sempre! Então sapatinhos de caminhada, calças (ah pois, porque as picadas de mosquito do dia anterior ainda estavam na memória e nas perninhas), repelente, protetor solar (difícil é decidir qual pôr primeiro!) e lá vamos nós… 24 km… (em distância total, mas o acordo era ir até dar, eu já vos disse que sou sempre enganada com estas falinhas mansas!). Uma subida para começar, lama da chuva de ontem, pedras, resumindo: “o mato!”, Eu a caminhar com c

Voltámos ao Sul!

A última vez que aqui escrevi tinha acabado de fechar a mala rumo ao sul! O bilhete dizia São Paulo… o coração dizia é cedo! É cedo para voltar a partir, malas outra vez, o desconhecido, os desconhecidos, começar de novo, é cedo! Estou aqui tão bem! Gosto desta terra! Gosto tanto destes! Mas era tempo de partir! Foi! É! Vai sendo! Assim foi…assim é (prometo que vou parar agora de brincar com os tempos verbais) e lá fomos! À chegada o calor Paulista recebeu-nos, mas não vinha sozinho, trouxe umas amigas que nos receberam como quem acolhe a família (graças a Deus temos uma grande família!). E a experiência brasileira começou e as nossas férias também! O litoral de São Paulo ao Rio de Janeiro foi o cenário de uma viagem inesquecível. A paisagem de cortar a respiração, a serra que se impõe e desaba no mar, a comida bem brasileira, a música que aparece à esquina, a hospitalidade dos “amigos que não eram nossos e que agora são” que nos fez sentir tão gratos e tão pouco merecedo

De malas feitas…

(…) e aviadas no sentido mais real possível, espero eu, porque as despachei em Lisboa e espero reencontrá-las em São Paulo! Cá vou eu desta para o calor (se é melhor ou não, fica para considerações futuras!), vou para o Verão durante duas lindas semanas de férias e depois começa a história da aventura! Desta vez, vou dedicar-me à Infeciologia Pediátrica ou como eles gostam de dizer Infectologia Pediátrica! Escolhi São Paulo porque o Hospital é muito bom e além da diarreia e da gripe na criança, de vez em quando deve haver um dengue, uma malária, uma coisinha tropical para não deixar esquecer o que aprendi a custo na Índia (e que custo, e saudades?). São Paulo (a cidade e não o último dos apóstolos) promete aprendizagem, desconhecido e patologia pediátrica numa cidade com 20 milhões de habitantes! Bom, ao calor e à confusão já estou parcialmente habituada, esperemos que a comida seja melhor que na Índia (Será!! Será!! Viva a picanha!). Já eu prometo manter-me atenta co