Avançar para o conteúdo principal

Os primeiros 3 dias

Estou em Bolama!

E por estas bandas, aprende-se muito e experimenta-se coisas novas todos os dias (e ainda só passaram 3), por exemplo:

  • Como viver numa casa sem água canalizada e aprender a tomar banho à caneca de água fria. Nos entretantos, fui desenvolvendo uma técnica rápida e eficiente, no fim dos 2 meses lanço um livro : “Tomar banho à caneca para totós, sem fazer estardalhaço!”.
  • Como viver sem electricidade regular, passo a explicar: a ilha não tem luz, mas a fábrica de gelo aqui do lado tem, então quando eles estão a produzir gelo ligam o gerador e nós temos luz …oh yeah! Mas, como em toda a indústria, a produção depende das flutuações da procura e o mercado do gelo pode ser muito instável… então ora há luz ora não há… Cá por casa também há um gerador que dá para desenrascar, mas não anda de boa saúde, o que faz com haja dias, como ontem, em que se janta à luz da vela e se vai para a cama às 21h30, porque ler mais de meia hora com uma lanterna pode tornar-se muito cansativo.
  • Como sobreviver a comer peixe todos os dias a todas as refeições, ele é peixe grelhado, assado, metido no empadão, a flutuar na caldeirada…. E por aí fora, haja imaginação… quem me conhece sabe que o meu gosto piscícola é moderado, diria até bastante recatado…bom, mas até agora ainda não ganhei barbatanas… a ver vamos!
  • Como viver num clima bipolar em descompensação total, isto porque está sempre a chover e sempre a fazer sol… ora cai uma chuvada de meter medo ao susto (e já agora, de assustar o medo!), ora está um bafo que não se pode sair de casa ou estar em casa!
  • Como entender o funcionamento do “mosquito africano” esse animalzinho irritante e mau, muito mau! Por aqui, essas criaturinhas nem se dignam a fazer barulho, logo não se ouvem, logo “pimbas” mordem que se fartam, e mais, quando picam não dói, o que quer dizer que os mafarricos lambuzam-se à vontade nos meus vasos sanguíneos e quando vou a ver já só resta o comichão, terrível..terríve!!E mais, os desgraçados picam por cima da roupa, custa a acreditar…mas é verdade, a mais comichosa e pruriginosa verdade!

Aqui há muito para aprender! E as “pequenas lições” escritas em cima vêm, com um tom humorístico, temperar uma experiência que de ”leve e solta” não tem nada, neste lado do mundo a injustiça é mais que muita! E, por vezes, custa a engolir…


Comentários

  1. ...injustiças... o que podemos para elas? aprender a viver com elas basta-nos sempre?

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Deu tudo certo!

A mala está semi-feita, faltam as coisas pequenas, falta fechar, despachar e partir. É bom partir para casa, mas é difícil fechar este ciclo. Atrás de mim ficam as histórias, as pessoas com quem aprendi a ser bem mais que médica, ficam as coisas que só poderia ter vivido num país virado para o sol e para os sorrisos abertos. Elas ficam e vêm comigo no coração, porque a mala já tem excesso de peso, trago o que sou agora e que não era há três meses atrás.  Aliás, essa é a beleza desta experiência, vou provavelmente esquecer-me dos critérios do síndrome hemofagocítico, mas dificilmente da médica que deu chocolate e coca-cola à menina que tinha uma sonda naso-gástrica, dos meninos da enfermaria, dos adolescentes da consulta, isto tudo vai comigo e irá para onde eu for! Escrevo isto com o peito apertado, aquele desconforto na garganta, um incómodo que não sei explicar, no fundo estou ansiosa de chegar e a rebentar de saudades e ao mesmo tempo triste por deixar isto tudo para trás.

Em desembaraço

Passaram 10 meses desde a nossa partida… mais qualquer coisa e damos à luz o nosso burro! E que grande burro é este, com sorte vem às riscas e é uma zebra! Zurrices à parte e sem brincadeiras, realmente o que aqui temos vivido assemelha-se em muito a uma gestação, mas daquelas de risco e com direito a muitos sustos. O início, tal como o primeiro trimestre da gravidez, foi repleto de náuseas e enjoos, as coisas perderam o sabor do costume, a vida sentia-se letárgica e molengona, num arrasto ao ritmo do calor que se fazia sentir neste verão africano. A bem dizer, era deste ambiente não tão agradável que eu precisava para aprender a prestar atenção aos detalhes e ao silêncio. O ruído da vida em Portugal era tal que levei meses a ouvir aquele zumbido característico de quando se sai de um concerto com música muito alta, um tinido interior, constante e rítmico que me lembrava que a vida tinha mudado. Foi então uma espécie de desintoxicação, daquelas beras com ressaca a frio sem direit

A festa, a arca e as moscas!

A jornada continua e a história também. No entanto, hoje a história é outra, o mundo é outro e eu sou outra noutro mundo! A necessidade de deixar um registo escrito deste período da vida é mais profunda do que visceral, vem da carcaça… dos ossos… da estrutura do esqueleto! Não conseguindo prever o que aí vem, tenho a certeza que será uma viragem no rumo de todos nós e de tudo em nós. Por isso, obriguei-me a sair do buraco da inércia e aqui estou à mercê de quem por aqui passa, e a jeito para futuras leituras retrospetivas que espero que tenham mais lucidez do que o momento presente. A vida aqui pelo Reino de Eswatini corre com uma normalidade tosca de quem vai à festa de vestido roto com sapatos de verniz. Temos poucos casos e à data apenas um morto, na última semana os casos aumentaram 1 -2 por dia, nada comparável às outras tragédias. Porém, o número de testes feitos deixa muitas dúvidas, só esta semana é que começaram a fazer testes no laboratório nacional, anteriormen