Primeiro, um pequeno tour pela tabanca (leia-se aldeia), imaginem um povoado com muitas palhotas, muitas crianças a brincar na rua e, como não podia deixar de ser, muitos animais “domésticos” soltos. Bom…um “doméstico” dentro do género, claramente, não eram peixinhos dourados, caniches encaracolados ou hamsters a correr em rodas gigantes, nesta terra as coisas têm de ter uma utilidade e enfeitar não é uma categoria a preencher! Deixemos as explicações antropológicas e passemos às “ruas” da ilha, ora, a pastar, roer, esgravatar, vemos cabras, galinhas, porcos, vacas, alegremente soltos e à solta, sem eira nem beira…bom para eles, péssimo para a saúde!
Ups, pois é, estamos aqui para saber como correram as consultas na ilha das galinhas! Começámos às 9h acabámos às 15h, neste intervalo o meu crioulo cresceu exponencialmente (ah pois, uma pessoa tem de se adaptar! E cá em casa há um livro de iniciação ao Crioulo da Guiné que já li até ao fim e fiz os exercícios!). Entre frases mal compreendidas, feridas infectadas, auscultações com “fôlego fundo” e muitos acenares de cabeça lá se diagnosticaram e trataram as pessoas com a acuidade possível num “mundo” sem raio x, sem hemograma, sem ecografia. Neste “mundo” há poucas certezas, faz-se o que se pode com o que se tem, improvisa-se o resto… Será viral? Bacteriano? Agudo? Crónico? Não sei… trata-se o mais provável e o potencialmente fatal e fica-se por aí!
Por falar em fatal, a história fatídica que vos trago hoje é a de um rapazinho que nos apareceu, no segundo dia de consultas, com um quadro clínico de meningite bacteriana, exactamente como vem descrito nos livros, sem espaço para dúvidas nem no diagnóstico nem no tratamento. Solução : iniciar a antibioterapia e enviar para o hospital de Bolama o mais rápido possível (porque a nossa unidade de saúde tem uma cama, uma secretária e duas cadeiras), como íamos voltar para Bolama no dia seguinte oferecemo-nos para evacuar a criança mais a mãe – problema resolvido, morte evitável! Como é bom ter soluções de vez em quando!
No dia seguinte, preparámos tudo para zarpar (olha só o vocabulário marítimo!), canoa cheia, belo dia de sol, vontade de não apanhar Marão outra vez…E o miúdo? Onde está o miúdo? Esperámos 1h… o enfermeiro da equipa foi à tabanca a casa da criança… não estava lá! E então? Um vizinho, com pena de nós, lá nos disse que a mãe decidiu levar o menino ao curandeiro e que já não ia para o hospital! Bom… pelos vistos ter soluções não basta! Para esta criança não bastou! É claro que para as outras crianças que receberam tratamento para a amigdalite, pneumonia, dermatite, etc., para essas as nossas soluções foram boas e valeu a pena termos vindo… Mas! (silêncio e vontade de dar uns murros em alguém).
Apesar de tudo, há esperança e, por vezes, os sinais dela aparecem inesperadamente, numa viagem de mota entre uma tabanca e outra, reparei que na ilha das Galinhas (pelo menos, no que vi e acho que vi quase tudo!) há apenas 3 edifícios dignos desse nome (leia-se com tijolos e telhas!) um é a igreja evangélica e os outros dois são as escolas da mesma igreja! Isto despertou a minha “curiosidade protestante” e eis que descobri que não só a igreja faz um excelente trabalho na educação como também investe nas vias de comunicação, pois tem a única canoa pública que faz a travessia da ilha para Bissau. Esperança!
Por hoje é tudo, vou continuar por cá… a aprender a ser médica e a ser gente.
Um abraço aos leitores imaginários e aos que gostam de imaginar.
É bom saber que estás bem e que ainda não mataste "ninguém" (sendo politicamente correcto). Deste-me um ideia, como muito potencial, abrir uma loja do gato preto ai na tabanca, era capaz de ser um bom investimento...
ResponderEliminarTenho o barbas under controle, just for you know...
Manda saudades, porque não deixaste nenhumas (eh ehe eh) tou na tanga, mas não deixaste mesmo...
tenho umas quantas histórias dessas de curandeiros aqui por perto. no meu monte vive-se muito nessas ideias, que me irritam. o reverso da nossa sociedade é que quando é grave reconhecem que devem ir ao médico. acho que ainda não sei lidar com essas crenças!
ResponderEliminaro meu pai diz q esse projecto foi apresentado na igreja há uns anos... e a q jocum está envolvida com eles...
ResponderEliminarbeijinhoooos
Que testemunho fantástico e experiência fabulosa. Deus a ajude e inspire.
ResponderEliminarA igreja, a escola e a canoa são fruto de um acampamento de jovens da igreja evangélica central de Bissau. Ao decidirem fazer o acampamento anual numa região pouco evangelizada acabaram por iniciar um processo que deu origem àquilo que vês agora. Eu e a Vera tivemos a honra de assistir à inauguração dessa escola, uma escola construída em tempo recorde e com o mais baixo custo de sempre (não houve desvio de fundos!) das escolas da guiné-bissau.
ResponderEliminarManuel Rainho
Quando voltarmos à ilha das galinhas vou tentar falar com o pastor para conhecer melhor o projecto!
ResponderEliminarbeijinhos, é bom saber que estão comigo!
Fico contente por saber que está na guiné e por ter estado na ilha das galinhas onde eu estive em janeiro de 2008,pois apadrinhamos algumas crianças dessa ilha e ajudamos uma missionária que é a responsável por as escolas evangélicas na guiné que está em bissau.Pode ver algumas fotos daí no meu face book.
ResponderEliminarVou continuar a seguir os seus passos nesaas paragens.Não é facil mas é gratificante contribuir para que outros possam ser um pouco mais felizes.
Daniel branco
Força Bianca!
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