O dia começou soalheiro numa tabanca chamada “Madina” e a D. Domingas foi ao mato buscar um legume para o almoço, nada de especial até aqui, a vida corria sem percalços, um dia normal na vida de uma mulher Guineense! Mas, e há sempre um mas… Há 4 espécies de cobras venenosas nesta região! Há muitas cobras na época das chuvas! Há mato! Há azar na vida… Há um pé que é mordido por uma cobra! Pede-se ajuda… liga-se para a AMI! Vamos a correr. A viagem de jipe parece interminável, tentamos definir um plano de acção para quando chegarmos ao destino não perdermos tempo.
Chegamos a Madina, toda a aldeia está em alvoroço, há olhos cheios de esperança, talvez “os brancos” tragam a solução… A senhora vem meio inconsciente, é trazida por 4 homens até nós, improvisa-se uma sala de cuidados intensivos na parte de trás do jipe. Há gente por todo o lado! Avaliam-se os sinais vitais… o pulso mal se sente! Entrou em choque! Ouvimos o batimento cardíaco ir embora… e levar com ele a esperança de ter sido uma cobra não venenosa. Não há nada a fazer! Fecham-se as pálpebras da senhora com respeito e olha-se para baixo… também não há nada a dizer! Inevitável! Toda a aldeia rompe em choro e ranger de dentes. O sofrimento, nesta terra, faz barulho, atira-se para o chão, não tem vergonha de chorar ou de perder a postura, por aqui borrar a maquilhagem não parece importar a quem perdeu “uma Domingas”.
Agora, é preciso levar o corpo para casa, o funeral ou o “toca-choro” como lhe chamam vai decorrer nos próximos dois dias. O jipe leva o corpo e a família que lá coube… eu vou a pé com outro membro da equipa! Caminhamos 20 minutos em silêncio! Nunca o silêncio foi tão confortável e apaziguador! Pelo caminho ouvem-se gritos de desespero, emoções sem filtro, toda a comunidade corre para consolar a família. À chegada resta-nos dizer “fizemos o que pudemos”…
A viagem para casa é também uma reflexão sobre a nossa insuficiência, passamos a vida a acreditar em super heróis, habituámo-nos a esperar que ao último minuto a princesa seja salva e o dragão morto… mas a realidade é outra! A vida é outra… é dura. Não há efeitos especiais, não há desenlaces de última hora. Não há heróis. A vida é dura e nós somos moles… molinhos, fazemos o nosso melhor, esforçamo-nos, lutamos, estudamos… mas a nossa insuficiência é avassaladora! Saber isto, ter consciência da nossa “moleza” ou da nossa consistência pode, por um lado, tornar-se libertador… é bom saber que não controlamos tudo, que nem tudo depende do nosso esforço! A humildade aproxima-se de formas estranhas…
Beijinhos aos leitores imaginários.
Só ler isto é pesado... quanto mais passar por tal...
ResponderEliminarMas obrigado Bianca, pela partilha das coisas que estás a descobrir e aprender. Tanto as coisas mais duras e tristes como aquelas que têm contornos de esperança como no texto anterior... Para os leitores, não tão imaginários quanto isso, é bom fazer um bocadinho parte desta tua aventura. É bom que os ecos da dureza da vida cheguem a nós e nos façam pôr em causa a nossa aparente segurança e auto-suficiência...
Será que me é permitido dizer que tenho um bocadinho de inveja do teu cagaço na canoa? Assim a ler a história até parece que é daquelas coisas que é fixe viver... muita adrenalina, estar ali na cara do perigo, sentir o medo e sobreviver para contar a coisa... Mas isto é só garganta de um gajo que está de fora e que borrava-se todo se passasse pela mesma situação que tu.
Que Deus renove as tuas forças e a tua coragem para continuares a aproveitar este tempo, para continuares a aprender e a ajudar, fazendo o teu melhor...
Beijinhos
Força Bianca somos a tua retaguarda de oração ;)
ResponderEliminarBianca, és uma Livingstone numa versão romântica e humanitária. Obrigado, ainda, pela riqueza do teu texto. Um prazer. Contigo, em oração.
ResponderEliminarOnde mora a esperança em situações como estas? Sê uma bênção também ai...
ResponderEliminarNão são nada leitores imaginários. São de carne e osso, como eu. Continue a partilhar as suas enriquecedoras experiências.Obrigado.
ResponderEliminarForça. Sabes que Deus está e estará contigo para conseguires lidar com estas situações. A morte e a precariedade levam-nos também para mais perto Dele, em oração e meditação. Recordam-nos que não temos assim tanto tempo para fazer a diferença e sermos uma bênção para os que nos rodeiam.
ResponderEliminarSê aí a maior bênção possível, não só entre os doentes mas também entre os 'sãos' dos teus colegas.
Manuel Rainho
Querida Bianca
ResponderEliminarSão experiências como esta que nos colocam no nosso tamanho real...
Tenho um grande orgulho em ver-te crescer até este momento!
Obrigada pelos comentários!!!
ResponderEliminarA ideia deste blog era mesmo essa: diálogo e partilha!
Espero que possamos crescer juntos com estas histórias...mais conscientes, orientados e colaborantes!
Há vezes que a confiança no sobrenatural não ajuda muito...
ResponderEliminarSaudades.