Em qualquer hospital do mundo a sala de reanimação ou de
emergência é o local do doente em estado muito grave, é ali que a bem dizer se
“salvam vidas” ou se mantêm, é ali que se ligam pessoas ao ventilador, é ali
que se usa o desfibrilhador… Bom, é aquela medicina aguda, cheia de adrenalina,
entre a espada e a parede!
Aí em casa ir à reanimação mete sempre medo, principalmente,
em dias em que há poucos médicos mais velhos, porque pode dar-se o caso de ir
lá e ficar sozinha e isso é um medo daqueles a rondar o susto. Digo ir à reanimação,
porque funciona da seguinte maneira, sempre que chega um doente instável em
estado potencialmente grave o enfermeiro da triagem toca uma campainha, tipo
sino da escola (igualzinho ao barulho que se ouve no Lidl de vez em quando,
estejam atentos!), isto faz com que os vários profissionais se dirijam à sala
de reanimação!
O segredo de uma boa equipa na reanimação é a organização, a
sistematização de atitudes, toda a gente sabe o seu papel e todos conseguem
prever o passo seguinte, isto é o ideal, de certeza que é assim tipo na Noruega
ou nesses países em que faz tanto frio que as pessoas já nascem organizadas. Na
nossa santa terra há dias mais sistemáticos que outros, mas normalmente toda a
gente sabe quem é o chefe e cada um tem a sua tarefa mais ou menos definida,
portanto trata-se de uma coisa protocolada com espaço para alguma arte (se não
isto não tinha graça nenhuma e falávamos alemão uns com os outros!).
Voltando a oriente, imaginem a reanimação na Índia…
Impossível!
Tive imensa dificuldade em perceber como é que funcionava,
mesmo depois de ter feito as mesmas perguntas a pessoas diferentes! Ora, então
passo a descrever a imagem: uma sala com capacidade para 6 macas, um ventilador
e um desfibrilhador (não está mal!), vi uns quantos médicos (5 – 6) mas estavam
sempre a aparecer e a desaparecer e ninguém parecia ter um doente atribuído. Depois percebi que como na Índia existe uma especialidade específica para a
urgência, quem estava nesta sala ou era especialista em urgência ou era interno
ou era qualquer coisa do género tipo eu que andava ali a passear. Quanto aos
doentes, saltou logo à vista o facto de serem jovens, o mais velho era uma senhora
com cerca de 50 anos, isto é raríssimo do nosso lado do mundo, a nossa média
deve ser 70-80 anos. Outra coisa, familiares e amigos com fartura dentro da
sala, houve momentos em que haviam umas 20 pessoas por ali, o que não ajuda
muito à dita sistematização de atitudes.
E a abordagem do doente critico? Confesso que, mais uma vez, não percebi!
Escapou-me ali qualquer coisa! Chegou uma jovem demasiado amarelada (referencia
à presença de icterícia e não à etnia), não respondia a perguntas nem a
estímulos, a dar para o comatosa. Ao que parece ela própria contou à família
que tinha ingerido veneno de rato, mas afinal já ninguém tinha a certeza,
porque ela tinha febre há 6 dias e contou isto num pico febril, ora nada feito!
Resta examinar a senhora, o que se revelou uma aventura, porque, não sei como,
a algália estava mal encaixada no saco e vertia urina em grande quantidade para
cima dela e da cama. Já com a algália no sítio, quando se tentou virar a
senhora para observar as costas, isto piorou bastante, desta vez detetou-se a
presença de dejeções liquidas em grande quantidade (até às costas!),
apercebi-me que o médico voltou a tentar chamar alguém para limpar a doente,
alguém esse que demorou mais uma serie de tempo…
Entretanto, faltam
aqui umas análises, certo?
O problema é que neste país tudo se paga. O doente
entra na reanimação e as enfermeiras tiram logo sangue, depois o médico
preenche o papel das análises que quer e dá esse papel à família para eles irem
ao balcão pagar e só quando eles trazem o recibo é que o sangue vai para o
laboratório.
Neste caso, desde que a doente entrou até que a família trouxe o
recibo passaram à vontade 50 min., entretanto foi preciso resgatar os tubinhos
de sangue que estavam em cima da maca e que já boiavam na poça de urina que se
tinha formado. O mesmo processo com a TAC, era preciso fazer-se, mas primeiro
tem de vir o talão. E meia dúzia de talões depois tratam-se os doentes! Outro
mundo! (silêncio)
No fundo, entre enfermeiros, auxiliares (presumo que lá
estivessem, mas não os consegui identificar), médicos, familiares e doentes era
tudo uma grande e embrulhada confusão aos meus olhos! Olhos que não falam a
língua, que não conhecem as pessoas e que não são daquele mundo, desconfio que
a desorganização que vi ou que achei que vi, encaixa na rotina e faz sentido
para quem está lá todos os dias! Para mim foi caricato e insólito,
provavelmente o que um escandinavo sentirá se for à nossa reanimação (nos dias
maus!).
Leitor imaginário, vai ser bonito quando vier fazer o
estágio… vai vai!
E a viagem continua, agora mais rica, bom mais rica e mais
leve (a gastroenterite continua a fazer-se sentir!), mas essa história fica
para amanhã!
Um abraço!
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