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Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2010

Dia 62_ “O Capuchinho Vermelho & Beri-Beri!”

Esta é a minha última noite em Bolama, amanhã vou para Bissau e depois para casa! Entretanto, passaram 2 meses e com eles um sem número de experiências e de vivências, e parece-me que só quando a “poeira baixar” é que darei conta de muitas delas e das suas consequências em mim, na minha maneira de encarar a realidade, nos meus sonhos, na minha cabeça. Ao longo de todos estes dias fiz um esforço para (ao estilo do lobo do Capuchinho Vermelho) ver melhor, ouvir melhor, cheirar melhor, tocar melhor, saborear melhor… e assim aprender mais e melhor! Aqui “não aprender” era quase impossível, a realidade, por vezes chocante, por vezes violenta, por vezes agradável, entrou-me pelos olhos a dentro e teimou em fixar-se… talvez no coração, talvez na pele, talvez num circuito neuronal… o tempo o dirá! E hoje, mais uma vez, descobri que ir para lá do óbvio é mais do que uma coisa bonita é uma obrigação, em todas as áreas da vida. Aliás se há coisa que tentei praticar nestes dois meses foi uma “atit

Dia 58_ “Os mitos da África”

O meu estágio está quase a acabar, em breve voltarei ao meu “mundo” que agora já não é o mesmo, até porque espero já não ser a mesma, se não tudo isto teria sido um grande desperdício de tempo e de recursos. E é em jeito de conclusão (provavelmente, uma de muitas) que hoje decidi escrever sobre os mitos que existem sobre “a África”, sendo que só nesta expressão reside um erro gigante, porque não há “a África”, mas as Áfricas! Várias, diferentes, cada país, cada região, cada povo tem uma identidade, não se pode pôr tudo num mesmo saco e dizer com a entoação dum turista a cheirar a repelente, besuntado em protector solar e calções de linho “na África” é assim ou é assado! Só a ignorância poderá não perceber as diferenças. Comecemos então com um dogma muito famoso: - Na África (sintam a ironia!) há muita fruta e boa fruta! Ele é mangas, papaias, goiabas, bananas, etc. Bom, estou cá há dois meses e nem vê-la, quanto mais comê-la! Por aqui, a expressão “fruta da época” tem realmente si

Dia 55_ “ silêncios e noites mal dormidas”

O dia começou com uma viagem de canoa para S.joão, onde vamos uma vez por mês dar assistência médica e trabalhar com a comunidade temas importantes, como planeamento familiar, nutrição, tratamento da água, entre outros. Demos consulta em duas tabancas, e vimos de tudo um pouco, desde gente muito doente com pneumonia, gastroenterite grave, malária, a gente saudável que nem uma alface (o ícone das coisas saudáveis), mas com muito medo de estar doente e muita vontade de ser vista pelos “brancos” e estes são os mais difíceis de tratar… como aquela senhora que quando lhe perguntei a idade me respondeu que tinha 140 anos (bom…) e que se queixava de dores no corpo e cansaço: “pudera com essa idade!”, lá levou uma pomada para acalmar a passagem do tempo, um verdadeiro creme “ anti age ”! O dia chegou ao fim, tranquilo, com tempo para ver o pôr-do-sol e ler “Os cus de judas” do Lobo Antunes e foi no meio da descrição fantástica que ele faz da guerra de Angola que me chamaram, porque havia

Dia 48_ “de vez em quando sinto-me em casa”

Esta foi a minha terceira viagem à ilha das galinhas (e última…ai!) e aconteceram muitas coisas interessantes, como a história do tio João e da seringa “en garde” na luta contra a pneumonia, como ter aprendido a pôr soro nos doentes (bom… não acertei na veia à primeira, mas o que conta é participar!), como ter comido Korn bife a todas as refeições, como ter apanhado um sem número de chuvadas em cima e… E era aqui que eu queria chegar (tudo técnicas para criar suspense ), ter participado num acampamento de jovens cristãos vindos de toda a Guiné, e isto sim foi bem interessante! Pelos vistos, este acampamento acontece todos os anos na ilha das galinhas, juntam-se uns 250-300 jovens vindos de várias igrejas protestantes de toda a Guiné, para uma semana de convívio, reflexão e descanso. Caso sejam frequentadores assíduos aqui do “tasco” devem ter lido uns comentários feitos por alguns dos leitores não imaginários (até custa a acreditar que os há!) que diziam que neste acampamento de jove

Dia 47_”O que é demais tem cheiro…”

Voltámos à ilha das Galinhas! E a palavra “exagero” não me sai da cabeça, trouxe-a comigo e vou guardá-la na mala à prova de água e de tempo, porque ela sozinha consegue resumir toda a minha experiência na ilha e no resto da Guiné! E antes de franzirem a testa e de acharem que eu é que estou a exagerar, deixem-me explicar. Comecemos de cima para baixo, pelo céu desta terra, que é exageradamente lindo e impressionante, as estrelas brilham mais e melhor e a lua (ai a lua!) é avassaladora, o pôr-do-sol tem mais cores e texturas do que alguma vez me ensinaram. Neste céu tudo é gigante, cheio de beleza, tudo faz arregalar os olhos de alguém que, como eu e como nós, se habituou a olhar para o céu da janela do 5ºandar enquanto tenta evitar os postes de electricidade, os prédios vizinhos e a publicidade do próximo candidato. Ainda vinda do céu temos a chuva e por aqui quando chove, chove a sério, o dia todo e em quantidades industriais, não é aquela “chuvinha molha parvos”, não se brinca s

Dia 44_ As assimetrias

A semana correu com tranquilidade, o sossego necessário para as reflexões, ninguém consegue pensar ou pelo menos ir longe nessa caminhada quando o relógio passa de indicador a inquisidor. Talvez por isto, hoje não vos trago um episódio ou um acontecimento marcante, mas alguns traços do dia-a-dia que por aqui se vive e que podem ou não dar origem a algumas conclusões interessantes, dependerá do tempo que tivermos disponível… Comecemos pelo modo como as pessoas se cumprimentam: -“Bon dia!kumo é ke bu manse?” - “Bom dia! Como é que acordaste?” – interessante, por aqui não se pergunta se dormiste bem, mas se acordaste bem, afinal é mesmo isso que importa! Depois segue-se a pergunta : “Kumo é di Kurpo?” – “Como é que está o teu corpo, como está a saúde?” – num sítio onde a esperança média de vida anda nos 45 anos a questão do corpo ganha uma importância que do nosso lado da janela é difícil de compreender. A angústia não reside na pele casca de laranja, nos cabelos brancos, no perím

Dia 37 (à tarde) _“vesgos e esquecidos”

Continuo a contar-vos a história do meu 37º dia por terras Guineenses, por aqui há dias compridos que merecem 2 entradas no “tasquim”. O “toca-toca” chegou a Bissau às 15h, eu já estava com uma certa fome (adoro a especificidade da língua portuguesa, não há nada pior que ter uma fome incerta) e ia almoçar sozinha, porque o outro membro da equipa estava com febre e ia descansar para o hotel (passado umas horas descobriu-se que a febre era malária…ai… que eles “andem” aí! Bom, espero que a mefloquina não se esqueça de fazer efeito, é que para a quantidade de vezes que sou picada…). Recomendaram-me um restaurante que era barato e tinha umas espetadas muito boas, lá fui eu, à procura da “mana Bucha” , encontrei uma espécie de garagem escura e vazia, mas com a porta aberta e uma senhora a lavar roupa num grande alguidar! Era o sítio certo. Não estava fechado, mas hoje só fazia comida para levar, ora se eu levasse era para comer ali à porta, sentadinha nas escadas até porque estava a chov

Dia 37_ “Toca- toca” a lutar contra um coração míope – parte II

Hoje foi dia de andar de “toca-toca” que é um transporte público, uma carrinha de 9 lugares (com uns bancos laterais), que faz longas distâncias e que é mais barato do que andar de táxi! Apanhei um “toca-toca” com destino a Quinhanmel, lá fui eu mais um membro da equipa, mais 24 pessoas (que eu contei!) que foram entrando ao longo do caminho, tudo dentro da mesma carrinha, a tal de 9 lugares, com as portas de trás abertas e gente empoleirada até ao tecto. Foi lindo, 50 minutos de viagem, ligeiramente apertada (!), ao som de música africana e com as pessoas do carro a cantarolar e tudo! O objectivo era visitar o centro do Desafio Jovem na Guiné, sabia que era em Quinhanmel e não tinha mais indicação nenhuma…. Estamos na Guiné, improvisa-se! Perguntei às pessoas do “toca-toca” se sabiam onde era um centro de recuperação de drogados ao que uma senhora depois de eu ter tentado explicar mais do que uma vez no meu crioulo “todo o terreno” me pergunta com muita entoação : “ké, centro de Dúd

Dia 35_ as lutas de um coração míope

Voltei a Bissau, os próximos dias serão de descanso e de “turismo”! Por aqui, as ruas continuam sujas, esburacadas, escuras… Feios, porcos e maus! Mas isso toda a gente vê, eu cá queria ir para lá do óbvio, e claro, vocês estão convidados a embarcar nesta “visita de estudo” : Bissau e os seus encantos! Comecemos pelo alojamento, podia ter ficado num hotel com ar condicionado, duche quente (ai saudades!), croissants ao pequeno-almoço e wireless . Mas não, a estudante que há dentro de mim e que me cuida das contas disse que não! Então fiquei na D.Berta ou pensão Central como diz o Lonely planet (sabiam que havia um para a Guiné Bissau?!), sítio simpático e em conta, sem água canalizada e com luz só às vezes, mas com uma caminha boa e lavadinha… que me deu trabalho a conseguir, nesta terra tudo exige negociação! Cheguei à D. Berta lá pelas 16h, depois de uma viagem atribulada de canoa desde Bolama, estava toda molhadinha e com vontade de descansar. Pedi um quarto e perguntei pela D.