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A courgette tem uma prima na Índia!


 São 8h da manhã. O silêncio inunda a sala, lá no fundo ouve-se o barulho da ventoinha e cá no fundo é difícil não ouvir a confusão dos pensamentos. Aconteceu tanto nestes quase 2 meses que será difícil encaixotar, fazer malas e partir, desconfio que depois desta experiência haverão coisas que nunca mais irão embora, ficarão… farão morada! Espero que sim.

Então enquanto espero pelo início da consulta, oiço o meu fundo, observo os dias que passaram e tento passar para este caderno laranja o que é passível de partilha. Passaram duas semanas desde o último texto, cheias, recheadas de aventuras e desejo de aventuranças.

No outro dia, dei comigo num jantar do serviço em casa da chefe, ofereci-me para preparar um prato, mostrar a gastronomia portuguesa e, finalmente, comer o que gosto! Mas, como tudo na Índia, foi extremamente difícil! Primeiro, tinha de ser vegetariano, dadas as especificidades alimentares da religião, depois tinha de encontrar os ingredientes. Acabei por fazer as minhas courgettes recheadas (uma espécie de prato de assinatura), que de Portuguesas não têm nada, mas são vegetarianas, ou pelo menos, desta vez foram, porque originalmente levam cogumelos, bacon e queijo de cabra. Aqui fiz com cogumelos (viva os fungos ecuménicos) e paneer (um primo indiano em 4º grau do requeijão). Cheguei mais cedo e mãos à obra, numa cozinha que não é minha, com um palato tão diferente dos que habitualmente se sentam à minha mesa. Antes disso fui às compras, uma linda aventura, trouxe 2 enormes legumes esbranquiçados, parecidos com courgette, ali algures entre a abóbora e a courgette. O medo do pepino só acabou quando as abri ao meio e vi o que se assemelhava ao pretendido.
Depois lá fui, o prato foi acontecendo, com olhares de estranheza, com perguntas sobre o conteúdo, um legume aberto ao meio, sem especiarias, sem óleo, sem molho?

E eu segura! E eu contente! Escondida atrás da prima da courgette! A cozinha não era minha, mas são todas parecidas, o prato não é igual, mas é parecido. Parecido é bom! Parecido é familiar! É bom estar em casa outra vez! Afinal a fome e a vontade de comer o que nunca se comeu mas cheira bem são dogmas internacionais.
Voilà! Courgettes recheadas na mesa… E não é que gostaram! Comeram tudo! E eu sentada no chão a observar, somos todos iguais, mais picante menos picante. Conversámos, contaram-se histórias, o apetite abriu-nos a boca e o coração. Boas courgettes!

A Índia vai-se aproximando com uma abordagem cheia de solavancos. Aqui as relações são difíceis, cheias de porcelanas, de hierarquias, de preconceitos (?), estranha-se o novo, acolhe-se com cautela, então com pezinhos de lã, com legumes recheados, sorrisos sinceros e alguns relatos de aventuras passadas nesta terra incrível, com tudo isto vou conquistando um espaço, pequeno e apertado como todos os espaços na Índia!

Mesmo quando me perguntam as coisas mais insólitas, como aquela vez em que um dos médicos mais respeitados do serviço me perguntou que língua é que os médicos portugueses falavam entre eles? E que língua é que se fala nas faculdades de medicina? Seguido de uma cara de espanto quando lhe digo que é Português e não Inglês. (É com cada uma…). Depois veio o clássico erro, mas não menos engraçado, ao falar de Portugal alguém cheio de certeza exclama: “Oh como eu gostava de visitar o teu país, o Rio de Janeiro deve ser lindo!” (Rir dos outros é feio!). E lá expliquei a geografia da velha Europa. E não, a nossa comida não é como a espanhola (cruzes, credo!), nem como a italiana, nem como a grega. É nossa e é a melhor do mundo!

Leitor imaginário, é assim… Vamos alimentando o povo de “prima de courgette” e de cultura geral!

Restantes leitores, abraços, abraços. Falta menos, custa menos! Obrigada pela companhia!

Comentários

  1. Eu tenho saudades das tuas courgettes recheadas, das verdadeiras.Temos muitas saudades tuas, e gostamos quando partilhas as tuas experiencias. Beijinhos tia Bianca, e muitos abracinhos. AA

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  2. Querida amiga,I imagino...que belas courgetes. Se não fossem vegetarianos fazias as bolinhas de alheira! Não sei é se terias a sorte de encontrar uma prima.....nem mesmo afastada. Bjinhos de saudades. Vanda

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  3. Pena não teres tirado fotos da comida!!! :) beijinhos Nuno C.

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  4. Ai a bela da courgete... Para além do mérito do teu trabalho Conquistas pela barriga, assim é que é!! Beijinhos. Enios

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  5. O Énio sugere que para a próxima faças o rolo de carne!!! ;)

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  6. Comprar carne aqui é uma aventura, é melhor não arriscar... Tenho saudades de cozinhar para vocês!! um grande abraço!

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Gostei da pergunta "que língua é que se fala no teu país"!
    Ansiosa por ouvir as histórias ao vivo e na 1º pessoa :)
    Isabel A.

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