As férias estenderam-se mais uns
dias. Memoráveis. Lembranças que vão ficar connosco para sempre. Não
necessariamente pelo luxo ou pelo conforto do descanso, mas pela companhia que
com o passar do tempo se torna cada vez melhor. As conversas salpicadas de
silêncios confortáveis, de observações quase sempre fora do contexto, de passeios
de mota à chuva no meio da floresta, de quedas de mota e joelhos esfolados (cotovelos,
ombros e mais houvesse!) numa ilha espetacular, de horas e horas passadas em todo
o tipo de transportes públicos, dos insólitos (adoramos o insólito), tudo isto
transformou este tempo de férias num grande depósito de felicidade!
Foi com o saco cheio destas aventuras que ele
se foi embora e eu fiquei! Fiquei para dar início a outro tipo de aventura, um
solo que pode parecer loucura. Talvez seja.
O que é que estás aí a fazer? A resposta
mais honesta é que estou aqui para aprender. Crescer. A ver se acrescento
alguma coisa a este coração míope e ao léxico do diagnóstico diferencial que
carrego comigo.
A odisseia começou em Setembro,
já lá vão 3 semanas, não tenho escrito mais, porque às vezes não sei como
descrever o que por aqui se passa, mas quero muito cumprir a promessa feita a
meia dúzia de amigos e companheiros de caminhada.
O hospital é gigantesco e está
sempre, faça chuva ou faça sol (frio é que nem vê-lo), cheio de gente, há gente
por todo o lado, e gente muito doente, muito doente e muito nova. Atrevi-me a
fazer um comentário do género: “Os vossos doentes são tão jovens, nós lá temos
o hospital cheio de idosos!” A resposta veio apontada diretamente ao meu
coração ocidental: “ Os velhos ficam em casa, eles nem os trazem, e quando os
trazem raramente os internamos, seria um desperdício de recursos.” Engole em
seco, fica calada, olha para o chão, sente o choque cultural! E o choque contínua,
quando no fim da consulta se fala de dinheiro, a saúde tem preço e escalões, o
papel amarelinho mostra o orçamento do internamento que é necessário, o doente
responde que não veio preparado, voltará depois… Em sístole rápida, ansiosa,
tento desatar o nó do estomago e olho novamente para o chão (silêncio).
E assim se passam os primeiros
dias, a realidade é nova, cheia de pontas aguçadas que se espetam na minha ideia
de saúde e de justiça, mas foi para isso que vim, para lutar contra a miopia. Mas
há mais, muito mais! Tenho aprendido tanto! Isto é um manancial para a infeciologia,
há de tudo, das bactérias aos fungos, passando pelos parasitas, sem nunca esquecer
os vírus… até o vírus da raiva (vi um caso de raiva logo no primeiro dia, nunca
tinha visto).
Cá ando eu de caderninho laranja a escrever tudo o que vejo, a
fazer um esforço enorme para perceber o inglês à indiano, a suar as estopinhas
nas muitas escadas do hospital e a beber golinhos de água no corredor meio às
escondidas, sempre cansada, sempre com fome, mas com a certeza de que estou no
sítio certo. De vez em quando isto lembra-me a Guiné, vem me à mente aquela
frase: “ A vida é dura para quem é mole”, aqui apetece-me dizer: ”A Índia é
dura e eu sou mole! Molinha!”.
Querido leitor imaginário, a Índia
é dura e picante mas também alimenta e disto é que eu preciso para crescer!
Restantes amigos continuamos cá
até Novembro, mais 10 semanas de choques, aprendizagens, frustrações, arroz e
papaia, onde a vossa companhia é mais importante do que imaginam.
Um abraço!
Que possas continuar a fazer a diferença... Que por muito pouca que seja, aí será sempre muita!Não desanimes!
ResponderEliminarTão bom ler-te.
ResponderEliminarPasso sempre por aqui.
Força Guerreira, o Senhor é contigo.
Bjs grandes
Vais crescer... Mais ainda... Beijinhos grandes. Enios
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