Avançar para o conteúdo principal

Bangkok: uma sopa e uma esquina.

Continuamos em Bangkok! Estou a gostar, principalmente da novidade. Sabe-me bem olhar à volta e ver o desconhecido, as pessoas, os edifícios, as bancas de fruta, o trânsito… Gosto disto!
Claro que estou aqui e volta e meia estou na Índia numa espécie de presságio, num sonho antecipado, num agridoce de quem não sabe para o que vai, um desejo com dois pés atrás, porque um é muito pouco!
Depois olho à volta e digo para mim mesma (dada a ausência de botões, o que é uma grande chatice nestes momentos de introspeção) aproveita as férias, aproveita a anestesia da evasão, desfruta! E a Índia volta para a sua gaveta e o passeio continua!

O problema desta tentativa de organização das ansiedades e dos “nervos” foi uma esquina de Bangkok. Numa noite quente e húmida bem ao estilo asiático, com a boca ainda dormente depois de ter comido uma espécie de sopa de peixe e marisco, maravilhosa, uma explosão de sabor, espetacular, mas picante que doía, doía, ardia, e no fim ficou a dormência do nariz até ao queixo, mas valeu a pena, foi das melhores coisas que comi na vida. Após a refeição, ainda no processo de me recompor da reação inflamatória da sopa, o nariz vermelho de tanto me assoar, o estômago contente pela novidade, o intestino indeciso… Os olhos viram o que não queriam ver.

Dobrámos uma esquina numa rua escura e vimos mulheres (meninas?) sentadas em esteiras com uma tabuleta com um preço. Uma pessoa à venda! Doeu! Ardeu no coração e esqueci-me do outro ardor. O estômago contorceu-se, virou-se, rebolou, ficou a náusea. Uma náusea que subiu à memória e trouxe novamente a Índia! Afinal foi aí que tudo começou! Foi há 4 anos que fomos à Índia para estar com meninas que tinham sido vendidas para serem prostitutas. Ouvi as suas histórias, vi as marcas, vi os olhos de medo, mas também vi esperança e recomeços, dei aulas de inglês e até jogámos ao balde de água e de lá trouxe um bocadinho menos de miopia e um saco com a certeza de que o que de graça recebi deve ser posto em quem precisa.

Então depois da sopa veio esta vontade de continuar a caminhar, a crescer, para poder contribuir num mundo onde a injustiça arde e faz buraco.

A viagem continua! (Às vezes acho que peregrinação encaixa melhor!)

Leitor imaginário agora rumamos a norte… Chiang Mai espera por nós, mais uma vez sem nada marcado, mas vi um quarto por 7€ com ventoinha e água quente, não me parece nada mal!
Restantes leitores, obrigada por estarem aí, gosto imenso da companhia.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Deu tudo certo!

A mala está semi-feita, faltam as coisas pequenas, falta fechar, despachar e partir. É bom partir para casa, mas é difícil fechar este ciclo. Atrás de mim ficam as histórias, as pessoas com quem aprendi a ser bem mais que médica, ficam as coisas que só poderia ter vivido num país virado para o sol e para os sorrisos abertos. Elas ficam e vêm comigo no coração, porque a mala já tem excesso de peso, trago o que sou agora e que não era há três meses atrás.  Aliás, essa é a beleza desta experiência, vou provavelmente esquecer-me dos critérios do síndrome hemofagocítico, mas dificilmente da médica que deu chocolate e coca-cola à menina que tinha uma sonda naso-gástrica, dos meninos da enfermaria, dos adolescentes da consulta, isto tudo vai comigo e irá para onde eu for! Escrevo isto com o peito apertado, aquele desconforto na garganta, um incómodo que não sei explicar, no fundo estou ansiosa de chegar e a rebentar de saudades e ao mesmo tempo triste por deixar isto tudo para trás.

Em desembaraço

Passaram 10 meses desde a nossa partida… mais qualquer coisa e damos à luz o nosso burro! E que grande burro é este, com sorte vem às riscas e é uma zebra! Zurrices à parte e sem brincadeiras, realmente o que aqui temos vivido assemelha-se em muito a uma gestação, mas daquelas de risco e com direito a muitos sustos. O início, tal como o primeiro trimestre da gravidez, foi repleto de náuseas e enjoos, as coisas perderam o sabor do costume, a vida sentia-se letárgica e molengona, num arrasto ao ritmo do calor que se fazia sentir neste verão africano. A bem dizer, era deste ambiente não tão agradável que eu precisava para aprender a prestar atenção aos detalhes e ao silêncio. O ruído da vida em Portugal era tal que levei meses a ouvir aquele zumbido característico de quando se sai de um concerto com música muito alta, um tinido interior, constante e rítmico que me lembrava que a vida tinha mudado. Foi então uma espécie de desintoxicação, daquelas beras com ressaca a frio sem direit

A festa, a arca e as moscas!

A jornada continua e a história também. No entanto, hoje a história é outra, o mundo é outro e eu sou outra noutro mundo! A necessidade de deixar um registo escrito deste período da vida é mais profunda do que visceral, vem da carcaça… dos ossos… da estrutura do esqueleto! Não conseguindo prever o que aí vem, tenho a certeza que será uma viragem no rumo de todos nós e de tudo em nós. Por isso, obriguei-me a sair do buraco da inércia e aqui estou à mercê de quem por aqui passa, e a jeito para futuras leituras retrospetivas que espero que tenham mais lucidez do que o momento presente. A vida aqui pelo Reino de Eswatini corre com uma normalidade tosca de quem vai à festa de vestido roto com sapatos de verniz. Temos poucos casos e à data apenas um morto, na última semana os casos aumentaram 1 -2 por dia, nada comparável às outras tragédias. Porém, o número de testes feitos deixa muitas dúvidas, só esta semana é que começaram a fazer testes no laboratório nacional, anteriormen