Incluímos a cidade de Vellore no nosso roteiro, não porque tenha uma grande oferta cultural, ou uma costa cheia de praias, ou montanhas para escalar, trilhos por descobrir… Não, aparentemente, é uma cidade sem nada de especial, não há turistas, aliás não há brancos (signifique lá o que isso significar!), não consta nos guias porque não oferece nada daquilo que os estrangeiros procuram na Índia (conceito ainda por definir!). Mas perguntem aos indianos! Perguntem às centenas de indianos, vindos de todo o país, que rumam a Vellore durante todo o ano, perguntem-lhes o que é que esta cidade tem de especial! E a resposta que vão ouvir é: “CMC – Christian Medical College”, uma das melhores faculdades de medicina do país e que está associada a um hospital muito conceituado com preços acessíveis à maioria dos cidadãos. Esta última parte é importante, porque a saúde na Índia paga-se e não é pouco, aliás sistemas nacionais de saúde como o nosso que é para todos e para mais alguns, isso é coisa rara e que devíamos estimar cada vez mais! Reflexões nacionais à parte, continuemos a história.
Fomos a Vellore para ver o hospital e a faculdade, e demos de caras com o sonho de 2 mulheres! Uma delas, há mais de 100 anos atrás, ouviu os gritos agudos de dor de 3 mulheres que na mesma noite morreram durante o trabalho de parto. Esta mulher, filha de um médico americano, missionário na Índia, cresceu em Vellore, mas sempre se recusou a seguir a carreira do pai, até àquela noite. Noite em que tudo mudou, noite em que do desespero nasceu o sonho de abrir a porta dos cuidados médicos a mais pessoas, mas mais… Ela sonhou mais! E sonhar mais é tão bom! Ela sonhou com um sítio em que mais sonhos como este fossem gerados, uma escola de saúde, uma faculdade de medicina e de enfermagem, mas com objectivo de formar profissionais indianos para os indianos. Ela sonhou com aquilo que nós vimos passados mais de 100 anos – CMC!
E está lá, está lá enorme e imponente, o hospital que começou no anexo da casa do pai dela, e que tinha só uma cama, está lá a maternidade que foi uma das primeiras daquele estado, está lá a unidade de cardiologia, a neurocirurgia, a unidade de transplantação, há de tudo e tal como ela sonhou, é feito pelos indianos para os indianos.
Mas há mais, ainda há o sonho da outra mulher, com o passar dos anos os médicos aperceberam-se que haviam doentes que não conseguiam pagar o preço (apesar de baixo) da consulta, das cirurgias e dos medicamentos. Era preciso arranjar uma solução para as 7000 pessoas que viviam nas barracas de Vellore, sem água, sem luz, e claro sem saúde! Então aqui nasceu o hospital comunitário, e segundo o director a definição deste hospital é simples:” CMC trata pobres e ricos, nós aqui só tratamos pobres!”.
Enquanto visitávamos as instalações deste hospital, o director foi-nos contando algumas histórias, como a da rapariga que tinha esquizofrenia e que por causa dos sintomas e da falta de tratamento e de dinheiro dos pais, foi trancada durante 10 anos num quarto. 10 anos a alucinar, a auto mutilar-se e a ser alvo de todo o preconceito que a doença mental provoca num mundo que transborda em crenças e crendices transcendentais. Isto acabou quando a equipa médica que faz os domicílios (é preciso que o médico vá a casa das pessoas quando elas são tão pobres que não conseguem pagar o transporte, ou quando são mulheres e têm de cuidar das crianças e da casa, ou quando são velhos e já não se podem mexer), quando eles foram abordados pelo pai da menina, um pai que já tinha gasto o dinheiro que tinha em curandeiros, mezinhas e medicamentos, um pai que pediu ajuda, e que mantinha a filha presa para ela não fugir, e em parte teria sido tão mais fácil para ele se ela tivesse fugido… Mas agora há esperança, uma esperança que veio em forma de injecção, porque ela recusou-se a tomar comprimidos, e passado pouco tempo a menina já era outra, já comia à mesa, já falava, e já não queria fugir.
Isto tudo porque o médico não está no seu consultório à espera do doente, da lista de queixas e de medicamentos que ele traz, mas aqui o médico mete o estetoscópio no bolso e vai à barraca! E este, este já é o sonho da outra mulher… ou da menina que sonhou ser médica onde fosse preciso para tratar quem mais precisasse.
Leitor imaginário, a Índia tem muito para ensinar e eu continuo a querer aprender!
Um abraço para todos os leitores que vão passando por aqui, espero que estes relatos vos lembrem e relembrem dos vossos sonhos, daqueles… vocês sabem quais são!
Continua a aprender, continua a sonhar, continua a partilhar as tuas experiências...
ResponderEliminarTambém estamos a aprender contigo /convosco.
um grande beijinho.
VeraR