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Em desembaraço


Passaram 10 meses desde a nossa partida… mais qualquer coisa e damos à luz o nosso burro! E que grande burro é este, com sorte vem às riscas e é uma zebra! Zurrices à parte e sem brincadeiras, realmente o que aqui temos vivido assemelha-se em muito a uma gestação, mas daquelas de risco e com direito a muitos sustos.

O início, tal como o primeiro trimestre da gravidez, foi repleto de náuseas e enjoos, as coisas perderam o sabor do costume, a vida sentia-se letárgica e molengona, num arrasto ao ritmo do calor que se fazia sentir neste verão africano. A bem dizer, era deste ambiente não tão agradável que eu precisava para aprender a prestar atenção aos detalhes e ao silêncio. O ruído da vida em Portugal era tal que levei meses a ouvir aquele zumbido característico de quando se sai de um concerto com música muito alta, um tinido interior, constante e rítmico que me lembrava que a vida tinha mudado. Foi então uma espécie de desintoxicação, daquelas beras com ressaca a frio sem direito a substitutos. E se a privação dói! Uma dor tipo moinha com agudizações ora em aperto, ora em facada, a falta de quem nos conhece, a saudade, as expectativas frustradas, a necessidade de começar de novo num lugar desconhecido e os imprevistos da mudança foram o buraco e o trampolim desta primeira fase.  

E depois veio a bonança ou pelo menos uma brisa mais fresca ao sabor do início do outono, um segundo trimestre de gestação, uma etapa de fazer crescer o que foi formado. Aqui demos largas aos nossos pés que anteriormente eram apenas pedículos, cresceu-nos o coração e a vontade de ficar aqui e criar raízes na terra que já tínhamos revirado. Encontrámos uma casa mais à nossa medida, a T. começou na escolinha, o A. mudou de trabalho e eu comecei a saga de conseguir uma cédula médica para poder trabalhar aqui. 
Ora, outra vez uma tempestade de mudanças, mas a casa não caiu, à semelhança do porquinho dos tijolos, aprendemos que mais vale assentar tijolos ao sol dos dissabores e do desconfortável, enquanto perseveramos naquilo que nos trouxe até aqui e nos lembramos que não somos chamados a ser o fim, mas o meio.  Assim o lobo mau rosna, mas não morde.

Depois de tanta alteração morfológica, estamos só a engordar (que raio de analogia!), cresceu-nos a barriga e a mesa já está cheia outra vez, a vida ganhou normalidade, a rotina não podia ser mais diferente do que aquela que tínhamos em Portugal, mas já é uma rotina. E estou contente. 
A estabilidade, a segurança da mesmice dos dias, isto de comprar bananas no mesmo sítio todas as semanas faz-nos sentir em casa! Que maravilha de bananas! 

Agora sim, 10 meses depois, estamos em casa, vivemos em África! 
Quem diria que realizar sonhos traria tantas surpresas e tantas dores, deve ser a isto que chamam “dores de crescimento”. E como crescer sozinho não tem graça nenhuma, decidi voltar aqui a este blog, este espaço já esteve e já foi tanta coisa, mas a intensão foi sempre a mesma, partilhar a jornada, a peregrinação. Por vezes, é difícil parar e escrever, daí o silêncio, por favor não confundam com indiferença, esquecimento, está longe disso, é muito mais uma inaptidão para pôr em palavras o que ainda não tem tradução, contar o que se vai passando nesta caminhada quando não sei o nome dos cruzamentos pode ser um desejo muito difícil de concretizar. Porém, cá estamos, este blog voltou, a luta continua.

Leitor imaginário, espero que ao menos tu continues por aí!

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