Ontem à noite tivemos direito a tempestade tropical,
ribombou noite a dentro, tremeram as paredes e as janelas, e eu (confesso!), só
as osgas permaneceram serenas enquanto se preparavam para o seu rodízio de
insetos. Hoje, o dia amanheceu chuvoso e fresco, sabe-me tão bem esta
temperatura abaixo dos 30 graus, só não gosto do cinzento carregado da chuva e
da melancolia escorregadia da lama.
Volto a escrever-vos da mesa da cozinha, a única mesa cá de
casa! Gosto assim! Passaram 3 semanas e parece que foi ontem e, ao mesmo tempo,
parece que foi sempre assim, esta mesa, esta chuva e o barulho do frigorífico
que compete com os grilos lá de fora.
O dia está quase no fim, a miúda está à porta de casa a
brincar com os vizinhos, já escorregou uma porção de vezes na lama, está feliz
da vida, há bocado apareceu aqui com uma banana na mão, foi uma vizinha que lhe
deu. Ela comeu metade da banana e eu é que fiquei com o coração cheio, a fruta
tem destas coisas!
Foi como no outro dia, fomos deixá-la com a ama uma senhora
de meia idade que trabalha na nossa ONG e que só fala meia dúzia de palavras em
inglês, nos primeiros dias ficou a chorar e foi um desassossego, trouxe de lá o
coração vazio e espremido. Ao longo da primeira semana, o choro foi dando lugar
à resignação, já não chorava quando se despedia, mas olhava triste para o chão.
Até que um dia, ao fim de duas semanas, quando estamos a chegar, ela ainda
dentro do carro aponta para a janela e grita “Tia” com os bracinhos no ar e mal
teve oportunidade saltou para os braços dela e deu-lhe um abraço. Depois,
enquanto estou a instalar o outro bebé, vejo a Tia tirar uma coisa da sua mala
e com um grande sorriso olha para a T. e dá-lhe uma daquelas mangas pequeninas
que por aqui se comem à dentada tipo
maçãs, e claro está, a minha filha agarrou logo na fruta, a Tia tirou um
bocadinho da casca e ela foi comendo até o caroço aparecer branco. E assim
descobri que ela já se sente em casa, conquistou o coração da sua nova tia que
até lhe traz prendas, aprendeu coisas novas, tem amigos na vizinhança, já me
ensinou uma data de coisas só com uma manga e uma banana.
A salada de frutas continuou quando a semana passada vi o S.
virar-se sozinho de barriga para baixo pela primeira vez e fui assaltada por
uma avalanche de sentimentos, agora só para as mães (cheias de hormonas) de
miúdos pequenos: “a primeira vez que ele fez isto foi aqui em Eswatini, em
África, esta e muitas outras aprendizagens vão acontecer aqui, gatinhar, andar,
cair, comer, falar…”. Pieguices à parte, dá gosto olhar para ele e vê-lo a
crescer cheio de bochechas com os seus olhos azuis e faz-me querer crescer
também, adaptar-me, moldar-me, adquirir novas competências…crescer!
E, de repente, anoiteceu, já jantamos, já houve banhos e
histórias, tudo misturado com birras, gargalhadas, nódoas de sopa e pés
molhados, o dia terminou com uma oração de gratidão, para que os nossos filhos
saibam que estamos profundamente agradecidos. Não estamos sempre contentes, a
maioria das vezes, isto é África a mais para a minha camioneta. Contudo,
estamos gratos pela oportunidade de estar aqui e de contribuir com o que somos,
mas também pelas coisas pequenas como as mangas, as bananas e o tempo fresco.
Leitor imaginário e restantes amigos que vieram cá bater à
porta, a chuva deu-me para isto (prometo não transformar isto num blog de maternidade). Há tanto para
partilhar que espero conseguir trazer-vos uma tacinha da salada de frutas que
para aqui vai, de modo a que vocês também se tornem parte da nossa caminhada
(peregrinação?).
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