Voltei! A última vez que escrevi aqui estava sentada num
café em Goa, na Índia… já lá vai um ano!
Agora estou sentada num café em
Palmela a beber chá preto! Agora sou mais médica do que era, agora até já sou
casada, agora a vida mudou…mas a aventura continua e a vontade de partilhar as
aprendizagens, as tolices, as alegrias, os sustos mantém-se! Venham daí… este
blog está de volta!
Voltei da Índia. Casei-me. Comecei a trabalhar no hospital,
e é nisto que quero remexer, em Janeiro deste ano comecei a trabalhar!! O meu
primeiro emprego a sério! O meu primeiro ordenado! O meu primeiro cartão a
dizer – “médica” (bom, também dizia interna do ano comum… mas não faz mal!)!
Foram 6 anos à espera desta meta, 6 anos de épocas de exames, 6 anos a querer
desistir a achar que nunca vou conseguir, a pensar que o curso é interminável,
mas não… lá estava eu sentadinha na reunião de apresentação ao pé dos outros
IAC´s (vulgo, sigla pouco carinhosa para interno do ano comum – médico
aprendiz, espécie de médico, projeto de médico…já perceberam a ideia!). E a
aventura começou pela pediatria! Confesso que no início o choque cultural doeu!
A Índia ainda pairava nos meus sentidos! E os meninos aqui têm tanta sorte… vão
tantas vezes ao médico, mesmo quando não é preciso… mesmo quando se entalaram
na porta do carro há 30 minutos atrás e o dedo está só um bocadinho vermelho e
já não dói, mas a mamã trouxe à urgência só para ver se está tudo bem! Que mãe
preocupada, que criança sortuda… que mundo desigual… (silêncio!).
Da pediatria fui para a infeciologia (estágio opcional), de
camas cheias de bonecos e paredes com árvores e passarinhos e onde cheira
sempre bem (mesmo apesar das fraldas), passei para uma enfermaria cheia de
gente doente, mas doente a sério, histórias de toxicodependência, prostituição,
comportamentos de risco, maridos de risco (para bom leitor, meia frase basta!),
doenças de e com risco… e foi nesta confusão de doenças e de microrganismos que
me lembrei que gosto mesmo do hospital! É difícil de explicar, é claro que não
gosto que as pessoas sofram e que estejam doentes, mas gosto de estar na
enfermaria, gosto de contribuir, e confesso que agora já sei mais qualquer
coisa sobre isto, e de vez em quando, sabe bem ter alguma segurança nos
conhecimentos adquiridos com tanto choro e ranger de dentes! E lá estava eu, a
fazer um estágio de infeciologia, uma especialidade cheia de estilo (!), vi
muita tuberculose, muita SIDA, muita meningite, e por vezes isto tudo num só
doente. E todos os dias havia qualquer coisa ali que me fazia lembrar o Desafio
Jovem (para quem não conhece, é uma comunidade terapêutica para
toxicodependentes e alcoólicos, que já faz parte da minha há mesmo muito
tempo), e em Janeiro também comecei a ajudar como médica nesta comunidade – “o
meu consultório”! E, como podem imaginar, os meus doentes do consultório tinham
muitas das doenças que vi na enfermaria, mas estavam estáveis, lavadinhos,
gordinhos, com a vida orientada ou pelo menos em processo.
Por outro lado, na enfermaria os doentes estavam para lá…
sem visitas, sem ninguém de fora preocupado com eles, ali não se fala de amor,
ali não há aconselhamentos, ali há antibióticos e radiografias, não há orações,
não há abraços… os doentes do consultório têm realmente mais sorte, o problema
é que, às vezes, eles nem dão conta (um dia falamos sobre isto!).
As memórias não acabaram aqui, a Índia veio à baila e depois
a Guiné (ai Guiné, Guiné)… a quantidade de doenças que vi lá e a quantidade de
soluções que tenho cá… oh frustração de estimação que guardo no bolso sempre
que me sobes ao coração! Vou continuar a guardar, e a aguardar… e enquanto
espero, vou aprender a ser médica e a ser pessoa. Vou continuar a luta contra
um coração míope, batalha antiga e intermitente, às vezes intensa e às vezes
adormecida e lânguida. E nos entretantos espero ver-vos por aqui, não como
assistentes, mas como participantes… as aventuras a solo só são giras no
cinema, a vida real pede companhia, pede comunhão e confusão(?), mas sempre com
o objetivo de viver uma vida com significado, com sentido, com …(respondam
vocês!).
Este blog voltou com histórias de 2012 para que as
aprendizagens não caiam no saco roto do calendário, mas para que a partilha as
multiplique!
Leitor imaginário, a próxima história vem do centro de
saúde… ou do “consultório”… logo se vê…
Um abraço a quem passar por aqui e para ti, querido leitor
imaginário, um obrigada por teres esperado um ano pela aventura que te trago
hoje.
Que bom teres voltado! De quando em quando passava por aqui para ver se tinhas partilhado mais alguma dessas experiencias da tua peregrinacao. Vejo que estas realmente a "aprender a ser medica e a ser pessoa". Continua ... creio mesmo que isso levara outros a sentirem tambem o desejo de "aprender a ser ..."
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