Passaram 63 dias… tantos como os que passei na Guiné…
E só agora é que me sinto preparada para escrever sobre os que passaram e os que passam, sobre o “pós Guiné” e sobre os pós que me ficaram na alma, nos olhos, nas unhas…
Desculpem-me se vos desiludir, é possível que o que vão ver aqui escrito não corresponda às vossas expectativas, até porque também não correspondeu às minhas… Imaginei o regresso a casa, várias vezes, tentei contabilizar as saudades que teria da Guiné, das pessoas, do trabalho, fiz previsões sobre como me sentiria, como seria estar cá e não lá, depois de um período que me pareceu gigante… E finalmente cheguei a Lisboa! Não chorei! Não quis voltar para trás! Adorei a viagem para casa, adorei o facto de haver alcatrão na estrada, delirei com o elevador do meu prédio, com o interruptor da luz, com a torneira cheia de água, com o copo de água fresquinha que bebi sem ter de lhe juntar lixívia, com a comida, com o pequeno-almoço fantástico que estava em cima da mesa… Foi óptimo falar cara a cara com os que são os “meus”! E assim foi… voltei!
Depois apareceram as perguntas… “Então como é que foi a Guiné?” e apareceram os silêncios e um encolher de ombros mais frequente do que o habitual…
-“ A Guiné… foi fixe, foi intenso, sim, essa é a palavra… intenso”.
- “ E mais? Conta mais!”
- “Mais? Não sei… aconteceu tanta coisa… não sei!”
E sempre que me aventurei a contar as minhas histórias, as minhas e as da Guiné… os jantares ficaram mais silenciosos, as faces passaram de descontraídas a pensativas, por vezes culpadas… por vezes sem saber o que dizer. Porque apesar de haver umas quantas histórias engraçadas, a maioria delas não teve e não tem graça nenhuma… a vida é dura, a Guiné foi dura… e eu sou mole!
Contudo, já passou algum tempo… e com ele passou a alegria do conforto que há nesta terra, da comodidade, da segurança… isso já não é tão brilhante e empolgante como foi na primeira semana.
Agora tenho saudades! Uma espécie diferente de saudades, não tenho saudades de comer peixe e arroz todos os dias, nem dos mosquitos, nem de água com lixívia, nem de ler com a lanterna do telemóvel, nem do calor, nem de andar sempre suada e cansada. Mas tenho saudades de olhar para o céu e de ficar em silêncio, por não existir vocabulário suficiente, tenho saudades dos doentes que víamos, de falar crioulo, de andar de calções e chinelos, de andar de mota… de barco, de ter tempo para ler e escrever…para pensar!
Olhando para trás destes 63 dias e falando nas costas e das costas deles diria que tenho saudades do “pó” da Guiné, daquilo que me ficou entranhado, das coisas que agora sou e que antes nem fazia ideia que era, daquilo que vi, que aprendi, dos incómodos que encontrei… E, tal e qual como o pó, estas saudades, acumularam-se desde o primeiro dia. Mas não reparei! A euforia inicial tornou-se demasiado anestesiante, no entanto com o tempo formaram-se montinhos de pó, de cotão… aglomerados de pensamentos, de imagens, de vontade de voltar atrás. Agora consigo ver o pó que há em mim, este pó do “pós Guiné”, espero que no futuro ele se acumule de modo a que seja possível deixar mensagens, fazer esculturas, enfim que sirva para construir! Até lá, há que protegê-lo dos panos e sprays da especialidade, das vidas agitadas, inebriadas e sem sentido, dos dias que correm sem saber para onde, da mania de perseguir o vento… Porque há pó que convém guardar!
Conto com a vossa ajuda para manter a vida empoeirada… consciente, orientada e colaborante, afinal de contas é para isso que este blog serve…
Leitor imaginário e outros resistentes que por aí andem, hoje não houve muitas piadas… cada vez gosto mais de conversas sérias, daquelas com silêncios e encolher de ombros, daquelas que acrescentam pó… Boa noite a todos!
o teu silêncio (q é tão compreensível) leva o outro ao silêncio também.
ResponderEliminarMaria também ía guardando as coisas no seu coração.
Um dia dps constróis uma escultura.
Bianca, a tua experiência enriqueceu-nos, mais do que te das conta. Fiquei empoeirado.
ResponderEliminarEmpoeirada, é pouco. Fiquei com vontade de voltar também e ouvir o silêncio e sentir vergonha de ter tanto...
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