tag:blogger.com,1999:blog-85895010665945346262024-03-08T06:18:45.389+01:00Consciente, orientada e colaborante!Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.comBlogger73125tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-49606399439662628082020-12-01T23:26:00.002+01:002020-12-01T23:26:59.504+01:00Quando falta o relógio… <p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Leitor imaginário, hoje a
propósito do dia Mundial do VIH/SIDA resolvi interromper o silêncio a que nos
habituei nos últimos meses e volto aqui, às nossas conversas, às histórias, às
desconstruções… à jornada. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Trago-te um texto que escrevi
algures em Agosto, depois engavetei-o e ali ficou, hoje achei que devia soprar-lhe
o cotão e deixar-me de peneiras literárias, então aqui o tens recortado e
colado com um desabafo de hoje, mais uns pozinhos dos últimos meses e umas
memórias antigas que ainda ardem.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Há muito para dizer sobre
a epidemia do VIH/SIDA, é uma história de grandes avanços científicos, recheada
de vitórias impensáveis a outras gerações, uma caminhada de sucessos. Porém nos
entretantos, houve muitos que foram ficando para trás, conheci uns quantos e trago
alguns marcados para sempre na memória. Ela tinha 28 anos (a mesma idade que eu
naquela altura) quando chegou à enfermaria já vinha condenada pelo linfoma e a
SIDA que trazia, fizemos-lhe o diagnóstico e, infelizmente, não havia mais nada
a oferecer, foram 3 dias e no último sentei-me com ela e perguntei-lhe se se
queria despedir de alguém … ligou ao filho de 5 anos… e partiu. (Silêncio). Ele
era o homem do lixo e tinha dores nas costas, teimoso e irredutível, quando finalmente
decidiu tratar-se já não foi a tempo. Ele era novo, nos trintas talvez, não
queria saber da doença porque tinha a vida pela frente, veio por outra coisa e
ficou internado, simpático, educado, amado pela família, meses depois já não cá
estava. Ele morreu na Unidade de Cuidados Intermédios, asfixiado por uma doença
que ignorou durante anos, na mesa de cabeceira tinha um pequeno livro com a
história do filho pródigo um bocadinho de esperança deixado por um amigo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Houve muitos outros,
mortes feias e malcheirosas, jovens, por vezes, com muito sofrimento e sempre
com aquela sensação de que podia ter sido diferente. Nos tempos que correm não
há necessidade de morrer por causa do VIH, ainda não temos uma cura definitiva,
mas a terapêutica é muito eficaz no controlo da doença. Se os doentes tomarem a
sua medicação, morrerão certamente (uma das poucas certezas existenciais), mas
a grande maioria, não será por causa do VIH. Contudo, há tantas razões para não
tomar a medicação, o medo, o preconceito, a negação, o estigma social, e até a
incapacidade cognitiva e/ou emocional… tantas nuances que tornam um assunto
linear numa consulta bastante complicada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">E depois há o outro lado
do mundo… que agora é o meu! Vou abrir a janela e deixar-vos espreitar uma das
primeiras consultas de VIH que fiz na Suazilândia. À minha frente uma adolescente
de 12 anos (que veio sozinha ao médico), ao olhar para as últimas análises vejo
que tem uma carga viral altíssima o que significa que não anda a tomar os seus
medicamentos. Lá vou eu para cima dela de dedo apontado à necessidade de sermos
responsáveis pela nossa saúde e de entendermos a importância da medicação e os
perigos da progressão da doença. Ela tem 12 anos! Acaba por confessar que, às
vezes (muitas), esquece-se da medicação porque tem de a tomar de 12 em 12h, mas
como não tem um relógio em casa e nem sempre os vizinhos estão por perto, não
sabe a que horas deve tomar os medicamentos e acaba por não os tomar.
(Silêncio) O relógio é o que ela menos precisa, o que lhe falta é um adulto que
a lembre das horas, um adulto que lhe dê uma alimentação adequada para que ela
passe dos 20kgs e não aparente 7 anos em vez de 12, uma família que sirva de
suporte é o que ela precisa para fazer frente ao VIH que a mãe lhe ofereceu.
Entretanto, chamei a assistente social que se prontificou a ajudar e a avaliar
a situação e, pelo menos, foi para casa com um relógio e uma caixa grande de
ovos (doados por uma empresa local), voltará daqui a um mês para reavaliação.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Esta é uma de muitas
crianças com VIH herdado das mães, infeção evitável e que carregarão a vida
inteira, sujeitas a tomar medicamentos todos os dias até que alguém descubra
uma cura. O VIH pediátrico é pouco apelativo para a inovação científica, há
cada vez menos crianças com VIH (ainda bem!), mas isto também faz com que haja desinvestimento
na investigação, fazendo com que muitas destas crianças tenham de tomar 4 e 5
comprimidos duas vezes por dia, todos os dias, algumas delas ainda muito
pequeninas e com muita dificuldade em tomar comprimidos, imaginam? Vi um rapazinho
que tinha 7 comprimidos para tomar de manhã e 5 à noite, uma confusão de frascos
e de horários numa família com pouquíssima literacia a viver em condições muito
precárias. Aqui as crianças morrem de VIH, porque ninguém lhes deita a mão,
faltam os relógios, faltam as mães, faltam xaropes e comprimidos uma vez ao dia…
E este texto vem na sequência desta falta, porque falar de VIH é lembrar as
histórias, os sucessos e as insuficiências.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Leitor imaginário, no
meio da falta de tantas coisas, foi por histórias destas que agarrámos em nós e
nos miúdos e viemos viver para o fim do mundo, quero fazer a minha parte, ser
uma parte ínfima da resposta, sem pretensões de salvar meio mundo da pobreza ou
do VIH, mas com o objetivo de me partilhar enquanto a peregrinação
acontece.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-ansi-language: PT;">Um abraço para quem
passou por aqui, e sempre bom caminhar com companhia.</span></p><p></p>Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-87812561544236049232020-04-20T11:07:00.000+02:002020-04-20T21:39:31.792+02:00A festa, a arca e as moscas!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A jornada continua e a história também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, hoje a história é outra, o mundo é outro e eu sou
outra noutro mundo!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A necessidade de deixar um registo escrito deste período da
vida é mais profunda do que visceral, vem da carcaça… dos ossos… da estrutura
do esqueleto! Não conseguindo prever o que aí vem, tenho a certeza que será uma
viragem no rumo de todos nós e de tudo em nós. Por isso, obriguei-me a sair do
buraco da inércia e aqui estou à mercê de quem por aqui passa, e a jeito para
futuras leituras retrospetivas que espero que tenham mais lucidez do que o
momento presente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A vida aqui pelo Reino de Eswatini corre com uma normalidade
tosca de quem vai à festa de vestido roto com sapatos de verniz. Temos poucos
casos e à data apenas um morto, na última semana os casos aumentaram 1 -2 por
dia, nada comparável às outras tragédias. Porém, o número de testes feitos
deixa muitas dúvidas, só esta semana é que começaram a fazer testes no
laboratório nacional, anteriormente tinham de ser enviados para a África do sul.
Mas, já estamos em quarentena nacional que acabou de ser renovada por mais 3
semanas, escolas e empresas fechadas e porrada para quem anda na rua sem
motivo. Desinfetantes em todo o lado e agora até as máscaras são recomendadas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cá estamos nós de sapatinhos novos de verniz a brilhar, os pés apertados com a
economia estrangulada, a dor do mindinho de quem ganha ao dia e não trabalha há
um mês, o saco da farinha de milho a acabar e os miúdos com fome e sem escola.
A acompanhar levamos um vestidinho roto que veio das primas, um sistema de
saúde a rebentar pelas costuras, hospitais a ameaçar fechar por falta de
trabalhadores com as enfermeiras em greve com medo de morrer sem material de
proteção. E a festa a começar…. E nós nem ensaiámos a dança! E que rodopio que
isto vai ser. Em todas as conversas que tive e em todos os artigos que li a
opinião é unânime, esta pandemia vai arrasar África, as populações mais
desprotegidas vão sofrer a infeção e a pobreza, a insuficiência a todos os
níveis. Doença, fome, crime e mais pobreza. Esta é a previsão dos entendidos…
este é o cenário que aguardamos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Decidimos ficar por cá mesmo assim, mesmo depois de ver a
maioria dos nossos amigos estrangeiros irem embora, as ONGs a fecharem, a ajuda
internacional a reduzir em muito a sua ação, e, por fim, a fronteira a fechar.
Não há masoquismo, nem heroísmo, e a loucura que há é a necessária para dar
sabor à vida e criar duas crianças. Ficámos porque quando, há uns anos atrás,
decidimos prepararmo-nos para viver num país de baixa renda e em 2019
escolhemos este reino para viver, já sabíamos que se tivéssemos um acidente e
precisássemos com urgência de um neurocirurgião não teríamos, nem tão pouco
alguém para ler as imagens da TAC dos 3 ou 4 aparelhos que existem no país, ou
se precisássemos de um pediatra intensivista… ou tantos outros meios que aqui
não estão disponíveis. E viemos na mesma e então ficamos na mesma, até porque
mais do que nunca agora a necessidade é gritante.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contudo, nem todo a gente ouve o grito. Aquela senhora que
vive no fim do mundo da Suazilândia, numa casa de lama com telhado de palha,
analfabeta, a sustentar os 6 filhos que os maridos lhe deixaram, ainda não
percebeu o risco deste vírus. O isolamento social numa cabana sem casa de
banho, sem água corrente e sem eletricidade, não lhe deu para começar a fazer
pão com fermento natural. Como o jovem operário que vive no subúrbio numa
correnteza de quartos numerados a tinta branca com uma casa de banho comum na
ponta, perturbadoramente semelhantes a um curral de porcos. Ora, lavar as mãos
num balde numa casa de banho partilhada e cumprir distância social numa casa
com 6 moradores e uma divisão pode ser um desafio difícil de cumprir. Mas a
surdez é generalizada. O empresário que vê o negócio afundar, as famílias com
filhos que só querem que a escola comece, os hotéis vazios, as obras paradas,
tudo isto grita e desafina, e pode roubar a atenção à tragédia que aí vem. Os
poucos casos que temos podem fazer-nos pensar que estamos noutro gráfico, mas a
nossa curva ainda agora começou. E por isso, há que começar a trabalhar no
sentido de evitar o pior e minimizar o sofrimento. Há que ganhar tempo e
aprender com a experiência dos outros. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É isto que me faz sentir numa espécie
de Arca de Noé, estamos a construir um barco em terra seca porque vem aí uma
tempestade, mas nunca choveu na terra e está um sol radioso. Então lá ando eu a
pregar tabuinhas na barcaça, e não, não tenho aspirações de ser Noé nesta
analogia, sou aquele tipo que estava na tasca logo pela manhã a ver se
desenrascava um biscate e o Noé lá me contratou e aqui fiquei a trabalhar ao
sol enquanto imagino como seria se esta tempestade fosse mesmo a sério. Se isto
for a sério então temos (nós e a ONG onde o A. trabalha) de pensar como é que
vamos tratar as crianças dos nossos orfanatos, as pessoas dos centros de
reabilitação, como é que vamos ajudar as famílias das áreas rurais que
acompanhamos há anos. E assim vou pregando tabuinhas e pregando a lavagem das
mãos e a distância social, enquanto aconselho toda a gente a começar uma horta
e a comprar mais mercearias, porque avizinham-se dias de muita insegurança
alimentar. Estratégias para minimizar as mortes. Estratégias para consular o luto.
Armazenar comida, material e esperança. Mobilizar a sociedade civil porque
todos são essenciais nesta luta. Tudo isto enquanto o sol ainda brilha e tudo
está, aparentemente, bem. Voltando à arca, há dias em que me sinto como aquela
pessoa que Noé mandou ao quintal recolher as formigas (uma de cada) ou as
minhocas, ou melhor, as moscas e estou neste momento a ver se consigo
levantar-lhes a asa para espreitar se levo no saco uma de cada ou tenho de
continuar à procura. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi para isto que viemos… e é para isto que cá ficamos!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário junta-te a nós, aqui podes aproximar-te em
segurança. Restantes leitores, é sempre um prazer ter-vos por cá, sentem-se que
a cadeira está desinfetada.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-19160752755973112612019-11-23T21:00:00.005+01:002019-11-23T21:00:56.950+01:00Diga 33...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ontem fiz 33 anos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Já são uma data de anos. Idade para ter juízo...
diriam alguns! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E é de juízo que quero falar hoje. Há que parar e olhar para os
anos que passaram e julgá-los, inquiri-los, medi-los e seguir em frente com a
sentença. Partir a caminho dos 34 rumo à eternidade com a mala cheia das
recolhas e das partilhas, das verdades aprendidas a custo e às cabeçadas, das
marcas deixadas por uns e em outros.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Não
sei se foi do clima quente e húmido dos últimos meses, se do silêncio, se das
mudanças ou, muito provavelmente, todos estes fatores construíram o ecossistema
perfeito para que estes 33 anos de ontem fossem especiais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao olhar para o ano que passou sinto a diferença daquilo que
era e daquilo que agora sou. Como se o paradigma tivesse mudado, de repente, trocaram-me
a etiqueta. E que troca tão dolorosa, ao puxar arrancaram tanto que o outro tanto
ficou à mostra. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando cheguei a África era médica, mais até, era infeciologista,
era isso que eu era e que queria ser, vim para aqui para contribuir com isto. O
cumprir dum sonho, trabalhei a vida toda para chegar aqui e ser médica em
África, este era o fim de tantos, tantos meios. Mas o inesperado aconteceu! A burocracia
africana aconteceu! Conseguir uma licença profissional neste país revelou-se
uma tarefa bem mais desgastante e longa do que o planeado. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E foi aqui que puxaram
a etiqueta que trazia ao pescoço (ou seria à porta do coração?). Não poder ser
médica, não ir todos os dias para o hospital, não fazer urgência uma vez (duas…três…)
por semana, tirou-me mais do que aquilo que deixou, por vezes, fiquei sem ar, sem
chão, sem rumo. Fui treinada (moldada?) para ser médica, resolver a febre, decidir
o esquema terapêutico, preparar a alta, rever na consulta, responder às
emergências, estudar a última evidência e sentir-me sempre culpada, sempre
insuficiente, porém contente e realizada na dose mínima para continuar a
correr. Uma maratona que começou quando entrei na primeira classe com 5 anos e
terminou em março deste ano com o exame final da especialidade aos 32 anos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foram
27 anos neste comboio com tempo suficiente para colar, engolir e entranhar a
etiqueta. Então se não sou médica, sou o quê? </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As perguntas são sempre o primeiro
passo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As respostas vieram em solavancos, às vezes com enxurradas de
dúvidas e solidão, outras vezes com um céu azul de novas descobertas. Ficar em
casa a tomar conta dos meus bebés enquanto aguardo que alguém abra uma gaveta
empoeirada e espete um carimbo na minha cédula foi o catalisador desta nova
fase.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aqui estou eu, médica especialista, altamente diferenciada
em HIV no país com mais HIV do mundo, dedicada em exclusivo a limpar cocós e
ranhocas, fazer sopa e panquecas de aveia, intervalando o meu tempo com a
resposta à urgência de pô-los a fazer a sesta a horas de modo a evitar
desfechos indesejados, nomeadamente, gritaria, amuos e mau feitio a tarde
inteira. Dias e noites disto… sem interrupções, sem saída de banco, meia dúzia de
centímetros de gente e tanta, mas tanta necessidade de atenção, e eu aqui só
com duas mãos e meia chávena de paciência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No meio deste palheiro encontrei a agulha que aponta o
Norte, ganhei rumo, apesar da falta de visibilidade, descobri que não precisava
da etiqueta, o valor é intrínseco, não está sujeito às tabelas e à inflação. Ser
basta, não preciso de provar nada, apresentar trabalho, cumprir metas, ganhar
pontos, posso só Ser eu, uma pessoa que por acaso é mãe, esposa, médica… Assim
escrito parece óbvio, mas é tão mais fácil enfiar a etiqueta e entrar num
comboio. O desafio de ser apenas e aprender a parar de correr atrás do vento é antigo,
mas abalroou-me agora. Foi isto que este ano trouxe, uma reflexão sobre identidade,
sobre o valor intrínseco e absoluto, gravado em cada um de nós sem necessidade de
outras classificações. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Fica aqui, nas nossas mãos, o registo desta epifania,
para vermos a vida com um coração menos míope e com menos autocolantes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, obrigada por continuares a fazer parte
desta peregrinação, restantes leitores benvindos a esta casa que está em constante
desarrumação.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-77319844412526450782019-11-06T10:17:00.000+01:002019-11-06T10:31:57.728+01:00Em desembaraço<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Passaram 10 meses desde a nossa partida… mais qualquer coisa
e damos à luz o nosso burro! E que grande burro é este, com sorte vem às riscas
e é uma zebra! Zurrices à parte e sem brincadeiras, realmente o que aqui temos
vivido assemelha-se em muito a uma gestação, mas daquelas de risco e com
direito a muitos sustos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O início, tal como o primeiro trimestre da gravidez, foi
repleto de náuseas e enjoos, as coisas perderam o sabor do costume, a vida
sentia-se letárgica e molengona, num arrasto ao ritmo do calor que se fazia
sentir neste verão africano. A bem dizer, era deste ambiente não tão agradável que
eu precisava para aprender a prestar atenção aos detalhes e ao silêncio. O
ruído da vida em Portugal era tal que levei meses a ouvir aquele zumbido
característico de quando se sai de um concerto com música muito alta, um tinido
interior, constante e rítmico que me lembrava que a vida tinha mudado. Foi
então uma espécie de desintoxicação, daquelas beras com ressaca a frio sem
direito a substitutos. E se a privação dói! Uma dor tipo moinha com agudizações
ora em aperto, ora em facada, a falta de quem nos conhece, a saudade, as
expectativas frustradas, a necessidade de começar de novo num lugar
desconhecido e os imprevistos da mudança foram o buraco e o trampolim desta
primeira fase. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E depois veio a bonança ou pelo menos uma brisa mais fresca
ao sabor do início do outono, um segundo trimestre de gestação, uma etapa de
fazer crescer o que foi formado. Aqui demos largas aos nossos pés que
anteriormente eram apenas pedículos, cresceu-nos o coração e a vontade de ficar
aqui e criar raízes na terra que já tínhamos revirado. Encontrámos uma casa
mais à nossa medida, a T. começou na escolinha, o A. mudou de trabalho e eu
comecei a saga de conseguir uma cédula médica para poder trabalhar aqui. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ora, outra
vez uma tempestade de mudanças, mas a casa não caiu, à semelhança do porquinho
dos tijolos, aprendemos que mais vale assentar tijolos ao sol dos dissabores e
do desconfortável, enquanto perseveramos naquilo que nos trouxe até aqui e nos
lembramos que não somos chamados a ser o fim, mas o meio.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Assim o lobo mau rosna, mas não morde.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois de tanta alteração morfológica, estamos só a engordar
(que raio de analogia!), cresceu-nos a barriga e a mesa já está cheia outra
vez, a vida ganhou normalidade, a rotina não podia ser mais diferente do que
aquela que tínhamos em Portugal, mas já é uma rotina. E estou contente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A
estabilidade, a segurança da mesmice dos dias, isto de comprar bananas no mesmo
sítio todas as semanas faz-nos sentir em casa! Que maravilha de bananas!<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Agora sim, 10 meses depois, estamos em casa, vivemos em
África! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quem diria que realizar sonhos traria tantas surpresas e tantas dores,
deve ser a isto que chamam “dores de crescimento”. E como crescer sozinho não
tem graça nenhuma, decidi voltar aqui a este blog, este espaço já esteve e já
foi tanta coisa, mas a intensão foi sempre a mesma, partilhar a jornada, a
peregrinação. Por vezes, é difícil parar e escrever, daí o silêncio, por favor
não confundam com indiferença, esquecimento, está longe disso, é muito mais uma
inaptidão para pôr em palavras o que ainda não tem tradução, contar o que se
vai passando nesta caminhada quando não sei o nome dos cruzamentos pode ser um
desejo muito difícil de concretizar. Porém, cá estamos, este blog voltou, a
luta continua. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, espero que ao menos tu continues por aí! <o:p></o:p></div>
<br /></div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-49908169648247180112019-02-02T15:36:00.000+01:002019-02-02T15:36:49.108+01:00A mesma mesa<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volto a sentar-me aqui, a mesma mesa! Imagino-vos sentados,
do outro lado do mundo, à minha frente. A conversa começa devagar, amanheceu há
pouco tempo e ainda cheira a café, o bebé adormeceu e a T. foi com o pai às
compras, fiquei sozinha com vocês.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os pensamentos correm em fila para a avaliação, passou um
mês, conseguimos um mês, sobrevivemos um mês e descobrimos tantas coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Realmente foi ano novo, vida nova, e é tanta a novidade que
ainda me sinto tonta da viagem. No entanto, esta já é a nossa casa, já tem as
nossas rotinas, conhece-nos o cheiro e as vontades. Claro está que faltam
coisas, falta aquele resto de queijo de Azeitão que sobrou de ontem à noite,
falta o pão do Chico pela manhã, a sopa da avó, o chouriço enrolado em película
no frigorífico que acabará por ir para o lixo, a sobremesa que ficou do jantar
de amigos de há 2 dias, as nódoas na toalha, o chão por limpar… Faltam-nos as
pessoas e o barulho delas (silêncio). Faltam e faltarão, até que um dia, ou
dia-a-dia, aparecerão novas pessoas, vocês vão continuar a faltar, mas a casa
estará cheia outra vez, uns nesta mesa e outros aí do outro lado do mundo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E, enquanto, esperamos estamos a aprender a viver de um modo
mais simples, aderimos de tal maneira à moda do destralhar que em vez de nos
desfazermos daquilo que não nos fazia feliz, foi tudo pela janela fora e veio
só a roupa do corpo (mais umas malinhas de cabine!). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma vida mais simples, menos boémia, com mais silêncios, bem
mais sóbria, mais desconfortável. O rei sábio dizia “numa casa onde há luto, há
sabedoria”, aqui por casa vai havendo lutos e lágrimas por pequenas coisas que
por vezes parecem enormes: as nossas pessoas, a casa, o tempo fresco, o sofá, o
colchão (lágrimas!), o chuveiro (lágrimas novamente)… Mas também é verdade que a
tal sabedoria tem aparecido no meio dos silêncios, das leituras, das conversas
depois do jantar, nos olhares trocados. Estamos a aprender a viver noutro
ritmo, mas com a mesma letra: “Ebenezer!” e assim continua a viagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, o silêncio dos dias trouxe este texto
meio molengão encostado à melancolia, mas não te preocupes que também nos vamos
rindo por cá. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nem imaginas o que eu já me ri a tentar comprar um penico para a
miúda…impossível! Já corremos várias lojas e nada… o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">potty training</i>, como quem diz “a capacidade de discernir o quando, o
como e o porquê da utilização do penico” não lhes assiste. Amanhã voltamos a
tentar… darei notícias!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-34347873763879041282019-01-28T16:09:00.000+01:002019-01-28T16:09:09.630+01:00Uma salada de fruta...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ontem à noite tivemos direito a tempestade tropical,
ribombou noite a dentro, tremeram as paredes e as janelas, e eu (confesso!), só
as osgas permaneceram serenas enquanto se preparavam para o seu rodízio de
insetos. Hoje, o dia amanheceu chuvoso e fresco, sabe-me tão bem esta
temperatura abaixo dos 30 graus, só não gosto do cinzento carregado da chuva e
da melancolia escorregadia da lama.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volto a escrever-vos da mesa da cozinha, a única mesa cá de
casa! Gosto assim! Passaram 3 semanas e parece que foi ontem e, ao mesmo tempo,
parece que foi sempre assim, esta mesa, esta chuva e o barulho do frigorífico
que compete com os grilos lá de fora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O dia está quase no fim, a miúda está à porta de casa a
brincar com os vizinhos, já escorregou uma porção de vezes na lama, está feliz
da vida, há bocado apareceu aqui com uma banana na mão, foi uma vizinha que lhe
deu. Ela comeu metade da banana e eu é que fiquei com o coração cheio, a fruta
tem destas coisas! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi como no outro dia, fomos deixá-la com a ama uma senhora
de meia idade que trabalha na nossa ONG e que só fala meia dúzia de palavras em
inglês, nos primeiros dias ficou a chorar e foi um desassossego, trouxe de lá o
coração vazio e espremido. Ao longo da primeira semana, o choro foi dando lugar
à resignação, já não chorava quando se despedia, mas olhava triste para o chão.
Até que um dia, ao fim de duas semanas, quando estamos a chegar, ela ainda
dentro do carro aponta para a janela e grita “Tia” com os bracinhos no ar e mal
teve oportunidade saltou para os braços dela e deu-lhe um abraço. Depois,
enquanto estou a instalar o outro bebé, vejo a Tia tirar uma coisa da sua mala
e com um grande sorriso olha para a T. e dá-lhe uma daquelas mangas pequeninas
que por aqui se comem<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>à dentada tipo
maçãs, e claro está, a minha filha agarrou logo na fruta, a Tia tirou um
bocadinho da casca e ela foi comendo até o caroço aparecer branco. E assim
descobri que ela já se sente em casa, conquistou o coração da sua nova tia que
até lhe traz prendas, aprendeu coisas novas, tem amigos na vizinhança, já me
ensinou uma data de coisas só com uma manga e uma banana. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A salada de frutas continuou quando a semana passada vi o S.
virar-se sozinho de barriga para baixo pela primeira vez e fui assaltada por
uma avalanche de sentimentos, agora só para as mães (cheias de hormonas) de
miúdos pequenos: “a primeira vez que ele fez isto foi aqui em Eswatini, em
África, esta e muitas outras aprendizagens vão acontecer aqui, gatinhar, andar,
cair, comer, falar…”. Pieguices à parte, dá gosto olhar para ele e vê-lo a
crescer cheio de bochechas com os seus olhos azuis e faz-me querer crescer
também, adaptar-me, moldar-me, adquirir novas competências…crescer! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E, de repente, anoiteceu, já jantamos, já houve banhos e
histórias, tudo misturado com birras, gargalhadas, nódoas de sopa e pés
molhados, o dia terminou com uma oração de gratidão, para que os nossos filhos
saibam que estamos profundamente agradecidos. Não estamos sempre contentes, a
maioria das vezes, isto é África a mais para a minha camioneta. Contudo,
estamos gratos pela oportunidade de estar aqui e de contribuir com o que somos,
mas também pelas coisas pequenas como as mangas, as bananas e o tempo fresco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário e restantes amigos que vieram cá bater à
porta, a chuva deu-me para isto (prometo não transformar isto num <i style="mso-bidi-font-style: normal;">blog</i> de maternidade). Há tanto para
partilhar que espero conseguir trazer-vos uma tacinha da salada de frutas que
para aqui vai, de modo a que vocês também se tornem parte da nossa caminhada
(peregrinação?).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-81361450206460323622019-01-12T20:50:00.000+01:002019-01-12T20:50:43.816+01:00Viemos!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Passaram quase dois anos desde a última vez que escrevi
aqui. Tinha saudades! Pensei em voltar várias vezes, mas por alguma razão esta
vontade de escrever só ganha mãos e vírgulas em clima tropical! Então, aqui estou
eu e espero que tu, querido leitor imaginário, não tenhas desistido!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Escrevo sentada na mesa da cozinha da casa nova, uma mini
casa no ainda mais pequeno país do continente Africano: Suazilândia ou como se
diz agora o Reino de Eswatini. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A primeira vez que ouvi falar nele tive de ir ao <i>google</i> para
o encontrar, uma bolinha minúscula entre a África do Sul e Moçambique, a única
monarquia absoluta do mundo, um reino pacífico e de boa gente. O país do mundo com
a maior incidência de infeção por VIH/SIDA, um terço da população, fizeram um
estudo em que estimavam que, se o ritmo da epidemia continuasse, em 2050
deixaria de haver habitantes no país. No entanto, muito tem sido feito para melhorar
estes números. O desafio é gigantesco e todas as mãos são pequeninas e todos os
pés vagarosos. O VIH trouxe consigo o bando das oportunistas desde a Tuberculose
à pobreza extrema, passando pela prostituição forçada, pelas drogas. Fez de
Eswatini um país de órfãos e doentes, matou os jovens adultos, os pais e as
mães, deixando o país com crianças ao cargo de outras crianças e sem adultos para
trabalhar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apresentações feitas, voltemos à mesa da cozinha, são 7h da manhã,
o sol brilha desde as 5h e nós não temos persianas! O ar condicionado marca 16<span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;">°</span>C
no turbo e nem se dá por ele, nem vento, nem fresco, só mesmo o barulho. Adoro
os trópicos!! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegamos há uma semana! Viemos todos, já somos 4, o tempo em
que escrevia a solo foi chão que deu uvas (e hoje no chão há brinquedos, almofadas
e um tapete a pedir sestas). E os miúdos ? – pergunta o leitor imaginário que trabalha
na CPCJ. E, eu, uma mãe daquelas super tranquilas que fica toda contente quando
vê nódoas de relva e pés sujos de terra, mas que se entope de <i>blogs</i> de maternidade,
lancheiras saudáveis e mantras de parentalidade positiva, respondo: “Estão
adaptadíssimos!”. Logo ao segundo dia ajustaram o horário e começaram a acordar
satisfeitos às 6h, a jantar às 18h e a ir para a cama às 19h.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A T. já sabe dizer <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Hello</i>
e <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Bye Bye,</i> e tanto almoça <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Pap</i> com feijão (farinha de milho com água
numa consistência que faz lembrar a argamassa) como frango com arroz (a T. tem
um fanatismo <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ferrenho pela comida e não
se dá ao luxo de ter choques culturais), já chama Tia à sua ama e pela maneira
como brinca e interage, até acho que gosta dela. <i style="mso-bidi-font-style: normal;"><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O S., é mais fácil (aos 3 meses de vida somos menos esquisitos)
gosta de todos desde que tenha a pança cheia e o rabinho seco, mas aposto que
está todo contente por se ter livrado das <i>collants</i> e da tosse que trazia desde
o Natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O resto das adaptações virá com o tempo, devagarinho vamos
entendendo o lugar, os olhares, os sinais. Viemos para ficar. Criar raízes e assentar
arraiais. O convite é antigo, é uma chamada para servir, contribuir para que a
justiça seja feita, as feridas limpas, os tropeços amparados e reerguidos, as
barrigas cheias, os olhos limpos. A resposta é a mesma de há 18 anos atrás: “sim,
eu vou!”. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O dia chegou! Viemos! Vamos
colaborar com uma ONG cuja missão é providenciar cuidados médicos de qualidade
às populações mais necessitadas e nas áreas mais remotas de Eswatini. Trouxemos
6 malas cheias de tralha e cacarecos, 1 berço, 1 espreguiçadeira, 1 ovo, 2
bebés e vocês : os amigos, os irmãos, a família e até os que não nos conhecem tão
bem, então já que vieram puxem uma cadeira, sentem-se aqui no quentinho
connosco que esta aventura já começou há muito tempo, mas ainda vai no adro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um abraço para todos, especialmente para o leitor imaginário
que esperou pacientemente que este <i>blog</i> "tropicalizasse" novamente.<o:p></o:p></div>
<br />
<br /></div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-64995868355135464992016-04-30T18:14:00.005+02:002016-04-30T18:14:48.161+02:00Deu tudo certo!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A mala está semi-feita, faltam as
coisas pequenas, falta fechar, despachar e partir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É bom partir para casa, mas é difícil
fechar este ciclo. Atrás de mim ficam as histórias, as pessoas com quem aprendi
a ser bem mais que médica, ficam as coisas que só poderia ter vivido num país
virado para o sol e para os sorrisos abertos. Elas ficam e vêm comigo no
coração, porque a mala já tem excesso de peso, trago o que sou agora e que não
era há três meses atrás. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aliás, essa é a beleza desta experiência, vou
provavelmente esquecer-me dos critérios do síndrome hemofagocítico, mas
dificilmente da médica que deu chocolate e coca-cola à menina que tinha uma
sonda naso-gástrica, dos meninos da enfermaria, dos adolescentes da consulta,
isto tudo vai comigo e irá para onde eu for! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Escrevo isto com o peito
apertado, aquele desconforto na garganta, um incómodo que não sei explicar, no
fundo estou ansiosa de chegar e a rebentar de saudades e ao mesmo tempo triste
por deixar isto tudo para trás. Ontem no meu jantar de despedida, à volta do
famoso bacalhau português e da tarte de pastel de nata, falávamos disto, fui
partilhando que uma parte de mim quer ir outra quer ficar, a pessoa à minha
frente respondeu que outra parte de mim deve querer ir para a Índia, e de
imediato do outro lado ouviu-se que outra parte queria estar em África… e eu
sorri e concordei totalmente! A perspicácia dos brasileiros aguçada por um
prato de bacalhau! E é isto o meu coração tem bem mais que quatro divisões,
desejo profundamente que ele continue assim apesar do desafio da rotina, da
trivialidade e da mesmice. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, digo adeus a estes novos
amigos e a este lindo país que me recebeu tão bem! Fica para sempre a frase que
uma das melhores pessoas que conheci aqui me disse logo no primeiro dia que
estive na urgência:” Vai dar tudo certo!” E não é que deu! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, hoje é difícil
falar do que aprendi e do que esta experiência significou, o futuro dirá, mas
espera sinceramente que esta oportunidade que de graça me foi dada possa servir
para construir bem mais do que a minha vida!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, a viagem chegou
ao fim, obrigada pela companhia. O <i>blog </i>continuará,
Portugal tem muito para ensinar e eu prometo lutar contra a preguiça de
escrever! Um abraço!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-40843984011602028792016-04-26T05:17:00.004+02:002016-04-26T05:17:38.231+02:00Mais um dia de consulta<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje escrevo de uma assentada só,
o tempo escasseia e as vivências transbordam. Faltam só uns dias para partir e
nestas páginas já faltaram 3 meses. É com um sorriso que olho para trás e sussurro
entre dentes: “deu certo” como diriam estes meus novos amigos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É neste ambiente de “fazer a mala”
que vos trago as histórias de hoje que na verdade são da semana passada, que
vão sendo dos anos que passam pela vida destas crianças, as histórias têm nome,
bochechas e birras, são pequenas, umas com final feliz, todas em construção,
assim como os seus protagonistas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A consulta de pediatria começa
devagar, um resumo do doente antes de entrar na sala, vêm à baila as histórias
da infeção, este apanhou o HIV na barriga da mãe que nunca tomou a medicação,
aquela menina foi abusada, aquela criança desconfiamos que também… e continuam
as histórias que tornam as sístoles rápidas e secas, batimentos duros que lutam
com a injustiça, os olhos pestanejam, as mãos arrefecem e a criança entra no
gabinete. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não vem sozinho e também já não é
uma criança, é um homem feito, traz ao colo a filha e atrás vem a esposa. O
menino começou a ser seguido nesta consulta há mais de 20 anos, com a mesma
médica e com a conversa do costume: “se tomares os remédios direitinho vai tudo
correr bem”. E não é que correu?! Hoje já é grande, é fisioterapeuta, é pai de
uma criança saudável, “deu certo”! E o HIV? Está bem, obrigado! Mas a conversa
vai para lá da infeção, falamos das dúvidas de um casal de pais jovens, os
medos, as inseguranças, ele fala, nós escutamos. E de repente, ela com a
criança nos braços interrompe para dizer que não se importa com a doença dele, que
sabe bem os cuidados que deve ter e que isso basta, faz uma pausa, respira
fundo e diz que ele foi a melhor coisa que lhe aconteceu e que um vírus não vai
mudar isso! E esta mini médica (piegas!) suspira, sorri e o pensamento foge
para os meninos internados no andar de cima. Isto sim é seguimento ambulatorial
bem feito! A conversa teve pouco de ciência e muito de vida, houve conselhos
para os jovens pais, houve espaço para desabafar o que não se fala com ninguém,
ali no consultório renovaram-se mais do que receitas. A porta fechou, ficaram
os médicos, uma sensação de dever cumprido pairava no ar. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No fim, veio a história
deste menino que já é homem, há muitos anos atrás, quando o diagnóstico foi
feito, o pai dele transtornado pela notícia, deu um tiro na mãe que morreu à
frente do filho. (silêncio) Olho agora para a porta de onde ele acabou de sair
e agradeço pela possibilidade de fazer parte, uma minúscula parte, desta
história de esperança. Humilde, desejo que estas experiências, estas histórias
ouvidas e vividas construam o que aí vem, sejam parte integrante deste projeto
de mini-médica. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A consulta continuou, as histórias
também e o sorriso inspirado na esperança manteve-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, no meio da
injustiça da vida e desta enfermaria cheia de desgraças, soube-me tão bem ver a
cara de orgulho que o “menino” fez quando mostrou a filha à sua médica. Que privilégio
este de poder ver muito mais do que o HIV na criança, aqui tenho visto a
criança… o HIV estudo em casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes leitores, as saudades
de casa deixaram subir a pieguice à superfície do texto, talvez o futuro traga
mais sobriedade, por agora ficamos com os trópicos e com a esperança nos olhos
molhados! Que linda combinação! Um abraço para vocês e obrigada pela companhia.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-72155559802665081672016-04-20T00:05:00.000+02:002016-04-20T00:05:33.011+02:00Às voltas na pediatria<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ando às voltas com este texto,
enrolado nas pontas do pensamento, sem fim, sem meio, mas com vontade de ser
dito. Um dia sonhei ser voz de quem não a tem, uns pela falta de boca e outros
pela falta de ouvidos e atenção, um sonho daqueles que não se contam a ninguém,
uma inconfidência, uma janela demasiado alta para quem só tem dois pés e duas
mãos. Um dia, dois dias, três dias, agora já não tenho 14 anos, mas ficaram os
sonhos, vieram as viagens pela medicina e pelos trópicos e vim parar ao Brasil.
Cá ando eu de coração cheio, olhos arregalados, vontade de saber mais e ser
mais, e o sonho volta! Incomodada escondo-me, ocupo-me, distraio-me,
procrastino, finjo, lembro-me que o problema não é meu, a história não é minha,
a voz não me diz respeito. E o sonho volta, pedrinha no sapato, esta vontade de
justiça, esta ânsia de reconstrução, este querer contribuir. Com o quê? Com a
voz, com a história, com a lição e com o pedido de ajuda, com o pão e os
peixinhos. E porque continuo incomodada trago-vos as histórias das últimas
semanas aqui na pediatria, as histórias de quem não tem voz. As histórias que
me fizeram engolir em seco e trazer-vos a seco este texto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O menino C. tem 2 anos, nasceu
antes do tempo e já estava doente há muito tempo, ele e a mãe. Durante a
gestação a mãe, menina jovem, apanhou uma infeção e o desenvolvimento do C.
levou um grande safanão. Então, este menino apesar de lindo, tem uma grande
parte do cérebro que não se desenvolveu, na imagem do crânio dele há uma
espécie de espaço vazio… e agora? Dois anos depois ele volta porque está piorzinho,
já não diz “pá”, está muito irrequieto e grita muito, depois de excluídas as
coisas más, dizemos à mãe que é mesmo assim, esta é a evolução natural da
doença. A mãe pergunta se ele consegue ver e nós dizemos que não, porque ele
não tem essa parte do cérebro, ela discorda, com respeito, mas discorda, porque
o filho dela tem dois olhos, então ele tem de conseguir ver. Ela pergunta
porque é que o filho não brinca, porque é que é agressivo com as outras
crianças, ela sonha com um filho que vá para a escola aprender a ler, mas o C.
dela não vai conseguir andar nem falar… e no fundo, ela sabe, mas não quer
dizer, falta-lhe a coragem, falta-lhe a voz! Resta-nos ouvir!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E do outro lado do corredor temos
o bebé L., veio porque tem febre, parecia dos dentes, depois da creche, depois
da irmã que estava doente, mas depois a febre não passou e ele veio ter
connosco. Não tinha nada que chamasse a atenção, estava bem-disposto, até
deixava a bata branca aproximar-se, mas tinha febre! A marcha da febre começou!
Análises e imagens, tudo normal, sem dor, sem manchinhas, sem ponta por onde se
pegue. E um dia decidimos fazer uma punção lombar (aquele exame que tira
liquido das costas para ver se não há infeções na cabeça), e por precaução
chatinha, daquelas coisas que nem era preciso, mas se calhar é melhor, lá
fizemos uma ecografia à cabeça do menino antes de tirar o líquido para evitar
as complicações. Conseguimos a ecografia no mesmo dia e até já tínhamos o
material para fazer o exame em cima da mesa, saio da sala e vejo a mãe e o L. a
voltarem da ecografia com a médica que traz na mão o relatório. Faço uma
festinha no bebé e olho para a mãe que chora, imagino que esteja nervosa por
causa da punção, digo meia dúzia de palavras de conforto e penso que temos de
nos despachar. Logo ali, pergunto à jovem médica o que diz o relatório do exame
e antecipo mentalmente a próxima pergunta: “ Já fizeste alguma punção lombar?
Queres ajuda?”, e ela faz-me sinal e dá-me o relatório para a mão. Despeço-me
da mãe e entro na sala, leio linha por linha que o L. tem um tumor no cérebro,
grande, demasiado grande. O diagnóstico está feito. A mãe chora. Choramos todos
(uns para dentro e outros para fora). E agora? Conseguimos uma transferência
nesse mesmo dia, no dia seguinte o menino foi operado, agora aguarda, a
histologia dirá. E agora? (silêncio) </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No caminho para casa lembro-me da mãe e do
L., pesa-me o coração, ele tem 10 meses e ela teve 10 meses com ele… Um aperto no
peito, pesa-me a insuficiência, dói-me a doença e lembro-me que isto faz parte!
Fazer parte do pior dia da vida das pessoas faz parte… e isso também é ser a
voz de quem hoje não consegue falar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, isto às vezes
é para lá de difícil, mas a vontade de lutar contra a miopia mantem-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, leitores,
companheiros de peregrinação, falta uma semana e meia… e uma vida inteira de aprendizagens
e no meu cesto só há um pequeno lanche… há que caminhar com a certeza da
multiplicação. Vamos? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um abraço</div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-18972704893735130962016-03-31T05:09:00.003+02:002016-03-31T05:09:52.207+02:00A festa continua!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A pediatria continua cheia de
porcelanas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É difícil sair dali sem perder um caco, sem um risco, sem uma
lasquinha na ilustração, o coração sente a fragilidade a que não está habituado.
Mas continuo, insisto nesta jornada que começa na razão da febre e termina na
razão do abandono, do abuso, da injustiça. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Continuo? Vou tropeçando nas histórias,
mas continuo. Vou chorando em sístoles disfarçadas, mas continuo. No entanto,
há dias em que continuar é mais fácil, há pessoas que me empurram para a frente
quando me pesa o choque da injustiça na barriga das pernas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Trago-vos um destes
empurrões na esperança que caminhemos mais juntos: A Dra. Y, a chefe da
enfermaria, muito simpática, com um sotaque delicioso, com a experiência que muitos
anos de pediatria, num país cheio de assimetrias, foram acrescentando. A manhã
começou com a visita médica, discutimos todos os casos, tiram-se dúvidas, ela
faz perguntas, as respostas vão aparecendo entre silêncios cúmplices. E aparece
a doente X, uma menina linda, pequena e enfezada para a idade, veio sozinha, já
sabe o caminho da sala dos médicos, ela já está internada há muito tempo
(demasiado!). Já está ao colo! Linda, com a trança que as enfermeiras fizeram
e com uma molinha cor-de-rosa no cabelo a segurar a ponta da sonda
naso-gástrica que leva a comida até ao estômago. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto olho para ela, seguro
as lágrimas que vêm com alegria e tristeza misturadas, vejo uma menina de 3
anos, com o HIV que a mãe lhe ofereceu, com as consequências de quem nunca
tomou bem os remédios do HIV, com um esófago doente que a impede de comer sem
sonda e que até já foi operada, com um atraso na fala, com uma marcha
atabalhoada, mas olhinhos lindos, ela está tão melhor! Então, cheia de charme
com a sua sonda pendurada no cabelo, olha para a médica e aponta para um copo
de plástico, ela não pediu verbalmente, não foi preciso! Rapidamente, esta Dra.
encheu o copo de sumo, contra o protesto dos espetadores: “ Ela vai vomitar,
cuidado, só pode ser pela sonda!”, e respondeu: “ pela sonda não vai sentir o
gosto, criança gosta de sumo, vamos dar só um bocadinho!”. E sentada no colo da
chefe de serviço, a menina da sonda bebeu um golinho de sumo e sorriu (e eu
segurei as lágrimas)! Entre golinhos a Dra. contou a história do fim-de-semana
em jeito de confissão, era Páscoa e todos os meninos tinham chocolates, menos
esta menina (porque o esófago está tão doente que só passa comida pela sonda,
ela vomita tudo, ela está a vomitar há meses), ora isso não é justo, ela é tão
pequenina! Então a Dra. ensinou- a a contar até 15 enquanto lhe deu 15 pedaços
de ovo de chocolate, pela boca, devagarinho, até derreter. Não vomitou, ficou
feliz, e aprendeu a contar! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois juntaram-se os outros médicos à conversa e
começaram as histórias que só pessoas assim têm, as vezes em que encomendaram pizza
para os meninos que tinham apenas mais alguns dias de vida, mas que queriam
muito pizza, as comidas especiais, os copos de coca-cola oferecidos aos meninos
que perderam o apetite.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Minutos depois passa o menino XY,
pequenino, magricela e quase transparente da anemia que vai arrastando. Ele tem
uma daquelas febres com 3 meses de evolução que ainda não têm diagnóstico, e se
há coisa que um infeciologista gosta é de uma febre, uma linda febre (“pelam-se
por descobrir o mistério!”), mas também tem falta de apetite e, por isso, está
cada vez mais magro. E a Dra. não foi “de modas”, até porque a estética não é
para aqui chamada, ela perguntou ao menino o que é que ele gostava de comer e
ele responder com uma lista de doces e salgados, tudo coisas que fazem mal. E
agora? Agora, temos uma festa amanhã com direito a salgadinhos e guloseimas,
porque as crianças têm de comer para crescer! A mim calhou-me estudar a febre e
levar bolinhos de queijo (primo da coxinha de frango, mas sem frango).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário de festa em festa
vou aprendendo pediatria com quem é bem mais do que médico. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes leitores, às vezes
precisamos de um empurrão para continuar a correr, espero que ao lerem este
texto se sintam empurrados para continuar a lutar contra a mesmice. A peregrinação
continua!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-83971910339625702502016-03-21T04:42:00.000+01:002016-03-21T04:42:09.409+01:00Amanhã é dia de festa! <div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acabei agora de tirar do forno um
bolo. A casa cheira bem, cheira a confortável, o bolo está bonito, falta a
cobertura de chocolate e as bolinhas coloridas, mas acho que no fim ficará um
bonito bolo de aniversário! Amanhã é dia de festa na enfermaria de pediatria,
um menino faz anos e nós vamos fazer uma surpresa, vai haver bolo, brigadeiros,
e até um hamburger do MacDonald´s!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto escrevo isto imagino a
festa que aí vem sorrio e fico contente por poder participar! Ao mesmo tempo
pesa-me o sorriso e o olhar resvala para a tristeza. A festa é especial, porque
o motivo é especial, este menino é o mais especial de todos, gostava tanto que
ele soubesse isso, este bolo de cenoura é a minha maneira de dizer isso… espero
que ele entenda. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
A história que
aí vem é triste, escura e feia. Nem sei se a devia partilhar convosco, será que
a vamos entender? Ou vai ser só a desgraça alheia, como quando abrandamos o
carro para ver um acidente (Quem bateu? Quantos carros? Há sangue?). Esse é um
dos riscos deste<i> blog</i>, fazer disto
uma montra de histórias umas mais tristes do que outras, mas são as “dos outros”,
estão longe de nós, como ver o massacre que está a acontecer na Síria e pedir
para mudar de canal porque até parece mal comer o jantar e ver milhões de
pessoas em fuga do seu próprio país, muda para os anúncios, desliga, aliena,
evade, foge, isso é dos outros, ainda bem, olha passa-me o pão!… Perigos à
parte, o desafio é tornar estas histórias nossas, próximas, tão perto que nos
façam querer mudar, alterar o que está mal neste mundo tão cheio de pontas
soltas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
A mãe deste
menino morreu e ele teve de ir viver com o pai com quem não tinha muito
contacto. De repente, adoeceu, adoeceu tanto que alguém pediu um teste VIH que
deu positivo, foram atrás do motivo e encontraram. Ele foi abusado, ninguém
sabe por quem, e ele não fala sobre isso. Continua doente, muito doente e não fala
sobre isso. Deixou de comer e começou a emagrecer ao ponto de necessitar de um
tubo no nariz que leva a comida diretamente ao estômago e nem sobre isso ele
quer falar. Ele desistiu! Comer para quê? Talvez por isso, no início nem
respondia às minhas perguntas, nunca sorria, nunca chorava, ele não queria
falar. E o que é que o médico faz? Este projeto de infeciologista fez o quê?
Pouco, continuei a ir lá dar os bons dias com umas tentativa de piada pelo
meio, sugeri um antidepressivo, fui contra a colocação da sonda no nariz, mas
depois rendi-me aos 30kgs, ajustei os retrovirais… pouquíssimo! O que vale é
que nem tudo depende do que fazemos! (silêncio, enquanto gravo isto no coração)
É o que vale! Esta semana ele sorriu para mim, ele até disse mais do que monossílabos,
engordou umas gramas e vi-o comer o pão do pequeno-almoço! A esperança também
pode vir em forma de sandes! Ele está a melhorar! E amanhã temos festa! Amanhã
celebramos o fato de ele ter nascido, um menino especial que viveu o que nunca
deveria ter vivido, mas que está a tentar ultrapassar as suas dificuldades, ele
até já come o pão! E amanha há bolo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
Leitor imaginário,
esta enfermaria é pesada, e as histórias agarram-se ao coração, não têm sido dias
fáceis, mas tenho aprendido muito e esse é que é o objetivo. Espero que também
tu (vocês?) possas lembrar-te, enquanto lês este texto, que as histórias dos
outros também são nossas e que essa é a beleza da Páscoa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
Quanto aos
outros leitores que aqui vieram parar, bem-vindos a esta casa, espero que estas
“minhas” histórias também vos aproximem duma Páscoa com menos coelhinhos e mais
partilha, menos ovos de chocolate e mais esperança na reconciliação.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 333.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-87743644168040402892016-03-16T05:26:00.001+01:002016-03-17T01:42:42.577+01:00Ainda vamos a meio!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p>O dia está cinzento, volto do trabalho, estou cansada,
talvez por isso o desenrolar lento dos passos, ou talvez porque chegar será
igual a sentar-me a estudar. Não me apetece chegar! Então vou andando, este
caminho já não me é estranho, conheço-lhe os detalhes, já sei que ali o pão não
é bom, mas as mangas são (caras!) mas ótimas, um verdadeiro paraíso das mangas.
E mais à frente, o pão é melhor e os bolos também, depois ao virar temos a
frutaria orgânica, nunca tem mangas, mas tem dióspiros e laranjas da Bahia sempre
doces, feios e pequenos se não os “orgânicos” levam a mal!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim se passa um mês e meio! Aprendi as manhas da fruta e
do fiambre que aqui não é fiambre é presunto, tenho sempre de repetir as frases
e de preferência cantadas em português do Brasil, descobri que toda a gente
gosta do meu sotaque e que todos os brasileiros têm um familiar português (seja
uma tia, primo, afilhado, o vizinho da vizinha) e que sítio não é lugar, mas
sim uma grande quinta! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Comecei o estágio pelo serviço de urgência, um mês, 5 dias
por semana das 7h às 20h (mais os picos)… Doeu! Ainda dói, arde, à espera que
cure! As muitas horas diárias não doeram, arranharam, o que doeu, o que “machucou”
até ao fim do estômago, onde agora tenho um grande nó foi o que vi! Vi muita
desgraça, tristeza, pobreza, declínio… Vi a SIDA, entidade que surgiu nos anos
80 e que assustou médicos e doentes, matou muita gente, porque não tínhamos medicamentos,
ninguém conhecia a doença, mas com o tempo as coisas mudaram, veio a esperança
mascarada de “inibidores da protéase” (remédios!) e eles deixaram de morrer,
não se cura, mas trata-se… Quer dizer, podíamos tratar… podemos… existem
medicamentos… existem doentes… o problema é a coexistência! Vi SIDA como nunca
tinha visto, vi a pele e o osso dos doentes sem nada no meio para amparar, vi o
grave e o gravíssimo, vi lepra e micoses sistémicas, vi um bocadinho da Guiné e
da Índia e revi a sensação de impotência, de pequenez, de insuficiência… Aqui
estou eu mais uma vez de lanche (pão e peixe noutra época) na mão a dizer que
só tenho isto… <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi no meio destes pensamentos… tenho pouco, sou pouco, é ridículo
de tão pouco, tenho de estudar mais, ouvir mais, ser mais, é aqui que chega um
dos doentes que mais me marcou. (Dados fictícios) Cleidi que era Anderson, que era prostituta, que
era travesti, que era toxicodependente, que tinha diagnóstico de HIV, mas que
nunca quis tratar. Chega com falta de ar, aflita, vulnerável, precisa de
ajuda, em poucas palavras conta que sabe que tem HIV mas que a vida é muito
complicada, nunca tratou porque tem medo, hoje veio porque não consegue
respirar, anda assim há 3 semanas. Mas há mais, ontem, algures num desses vãos
de escadas da vida, colocou silicone industrial no “bum-bum” para parecer maior
e mais redondinho. Incrédula, examino a pele inflamada, abcedada e ainda com
bocadinhos de cartão a fazer de penso para tapar os locais de injeção. Porquê?
(silêncio) Não preciso que ela (ele? Não interessa!) responda, cá dentro sei
bem que o desespero humano, a falta de rumo, as contrariedades da vida aumentam
a bola de neve de tal maneira que depois de cair dá a sensação que ainda
estamos a rodar. Olho para ela e tento entender, o medo de tratar o HIV e a
falta dele para colocar o silicone, o medo escondido atrás da maquilhagem e da
roupa justa enquanto vende o que nunca deveria ser vendido, tento, mas não
consigo. Mas sei que o problema dela é mais fundo do que a falta de juízo para
tomar os medicamentos, bem mais complexo do que a identidade sexual, vai para
lá… começou antes, precisou antes… e para isso não há comprimidos a inibirem
enzimas. Então enquanto vejo a saturação de oxigénio, olho-a nos olhos e falo
de mudança, vamos começar outra vez, vamos parar de desistir. Saio da sala
sufocada pela máscara e pela ansiedade de ver alguém com 27 anos com tão pouca
esperança.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A infeciologia tem destas coisas, o Brasil tem destas
coisas, e eu… estou aqui para aprender!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, espero ter a capacidade de guardar no
coração o que tenho visto e de partilhar contigo e com os nossos amigos o meu “lanche”.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, se vieram à procura de sol e trópicos,
espero que não tenham ficado desiludidos, as histórias sérias também ajudam a
limpar a miopia.<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-83453792588651488552016-03-06T22:49:00.001+01:002016-03-06T22:49:23.646+01:00A Epifania do Bonete!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acordei com vontade de partilhar isto convosco, esta ideia
anda a moer-me há demasiado tempo, ela vai aparecendo no meio dos meus
pensamentos, vai espreitando, insinua-se, não explode, não dói, mas pica,
incomoda, perturba, uma pedra no sapato, das pequeninas, como todas as angústias
existenciais devem ser.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo começou numa daquelas caminhadas loucas que vão dar à
praia mais bela do mundo, com as cachoeiras mais majestosas, e tudo imperdível
e mais meia dúzia de elogios, passarinhos e bichinhos tropicais, pronto, lá me
enganou… como sempre! Então sapatinhos de caminhada, calças (ah pois, porque as
picadas de mosquito do dia anterior ainda estavam na memória e nas perninhas),
repelente, protetor solar (difícil é decidir qual pôr primeiro!) e lá vamos nós…
24 km… (em distância total, mas o acordo era ir até dar, eu já vos disse que
sou sempre enganada com estas falinhas mansas!).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uma subida para começar, lama da chuva de ontem, pedras, resumindo:
“o mato!”, Eu a caminhar com cânticos de alegria (não!), mas lá fui, até tinha
um pau de caminhada (que chique!), e fui… ultrapassei as subidas, quase caí mil
vezes nas descidas (quase!), pés na lama demasiadas vezes, enfim! Não foram só
adversidades, vi um passaroco endémico da região, o pica-pau de topete vermelho
e fiquei contente porque só eu é que vi (AhAhAh) e quando chegámos à primeira
cachoeira aí sim pensei que valeu a pena a lama que tinha nas unhas dos pés!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não vou estar aqui a meter-vos inveja, mas sim, as
cachoeiras eram ótimas, e depois da caminhada ainda melhores. Haviam mais duas
com muitos quilómetros pelo meio, ainda tentámos alcançar a segunda, mas ali a
meio tomámos a sábia decisão de voltar para trás, pelo princípio universal de
que tudo o que caminhares para a frente, terás de caminhar para trás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi no caminho da volta, no silêncio da mata atlântica,
entre tocas de cobra, barulhinhos de qualquer coisa que de certeza que é perigoso,
a água da cachoeira lá atrás, as folhas, a lama, a bicharada, e os pensamentos…
Primeiro confusos, muitos, barulhentos, depois mais tranquilos, alinhados,
transparentes, ao ritmo do passo. Enquanto olho para o chão, a cabeça voa para
a caminhada, para onde ponho os pés, e estou atenta aos galhos do caminho,
tenho cuidado com as poças de lama, procuro pôr os pés nas pedras secas,
desvio-me da abelha, e vou andando, quero chegar, tenho fome, preciso de um
banho, de certeza que falta pouco para chegar, e caminho, olho para os pés e de
vez em quando para a frente, mas rapidamente olho para onde estou a pôr os pés,
não quero escorregar! E o esquilo? Viste o esquilo? Não, estava a olhar para o
chão. Onde está? Já fugiu! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aqui muda tudo! Oiço lá no fundo dos ouvidos, perto do
coração, uma pergunta daquelas com rasteira, engulo em seco, paro e olho à
volta, olho para cima, respiro fundo, torno a ouvir a cachoeira, e a pergunta
volta em tom suave. Para onde é que estás a olhar? Em defesa respondo que não
quero cair, quero chegar depressa. E oiço! Respiro a brisa da epifania!
Entendo! Reconheço! Recomeço! Agora caminho na mesma, contudo olho mais à volta,
paro mais, sigo o cantar daquele pássaro, encontro o ninho, vou mais devagar,
mas mais feliz, vi mais coisas, esperei que aparecessem. A caminhada continua e
a tarde também, chego ao destino com 17km nos tornozelos e com uma nova lição. Esta
caminhada tem que se fazer! Olhar para o chão, calcular os passos, uma etapa de
cada vez, mais um desafio, uma subida ingreme, saltar uma poça, evitar cair,
caminhar, caminhar e chegar. Porém, quero lembrar-me do que aprendi com a
estrada para a praia do Bonete, quero olhar para os lados e ver o que se passa
à minha volta e com os que me acompanham, quero parar por eles, parar para
ouvir. Quero olhar para cima, respirar e saber porque é que caminho, relembrar
o porquê e deixar o Como na mão de quem ele pertence.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não chegámos a ver a praia do Bonete, mas vi o que precisava
para continuar a caminhar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, as caminhadas dão-me para isto, se por
acaso me esquecer do que aprendi, lembras-me? Não quero andar para aí em correrias
de olhos no chão!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, um abraço e boas caminhadas!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-68648356572409477932016-02-28T00:57:00.000+01:002016-02-28T00:57:30.561+01:00Voltámos ao Sul!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
A última vez que aqui escrevi tinha acabado de fechar a mala
rumo ao sul! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O bilhete dizia São Paulo… o coração dizia é cedo! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É cedo para voltar a partir, malas outra vez, o
desconhecido, os desconhecidos, começar de novo, é cedo! Estou aqui tão bem! Gosto
desta terra! Gosto tanto destes! Mas era tempo de partir! Foi! É! Vai sendo!
Assim foi…assim é (prometo que vou parar agora de brincar com os tempos
verbais) e lá fomos! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À chegada o calor Paulista recebeu-nos, mas não vinha
sozinho, trouxe umas amigas que nos receberam como quem acolhe a família (graças
a Deus temos uma grande família!). E a experiência brasileira começou e as
nossas férias também! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O litoral de São Paulo ao Rio de Janeiro foi o cenário de
uma viagem inesquecível. A paisagem de cortar a respiração, a serra que se
impõe e desaba no mar, a comida bem brasileira, a música que aparece à esquina,
a hospitalidade dos “amigos que não eram nossos e que agora são” que nos fez
sentir tão gratos e tão pouco merecedores de tantas coisas boas que vivemos
nesses dias (ai Ilhabela… Ilhabela)! Foram dias de aventura e foram dias de “nós”,
porque nesta correria da vida é bom parar para respirar e para lembrar que
nestes 4 anos de “nós” aprendemos a ser mais próximos, mais amigos, mais
companheiros. Então tivemos direito a uma grande variedade de peripécias, ele
foi caminhadas no mato com lama até ao joelho e cobras na toca, passeios na
floresta com um buggy que ficou sem gasolina ao anoitecer e que deu direito a
voltar à boleia… é com cada uma! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E a melhor de todas, aquela que vamos contar
aos nossos netos e que eles não vão acreditar, estávamos a chegar ao Rio de
Janeiro e o mapa dizia para sair na próxima saída (sem apontar culpados, mas
que os há, há!) interpretámos mal e saímos antes, porém só demos conta do erro
quando o piso começou a ser muito mau, cheio de lombas altíssimas, escuro, a
dar para o sinistro e, de repente, olhamos para a berma e eis que está um grupo
de rapazes “com ar de poucos amigos” com uma metralhadora na mão e cara de quem
está a trabalhar… Nesta altura, deu-me “um nervoso miudinho”, baixei o telemóvel,
desistindo do tal mapa e concordámos que sim, estávamos dentro da favela, com
um carro alugado, e todos os nossos pertences na mala, incluindo as nossas
vidinhas tão jovens, então “sorrir e acenar” seguimos em frente, tivemos que
dar a volta, tornámos a passar por estes jovenzinhos e entrámos novamente na
estrada certa rumo ao nosso destino. Nada como um passeio acidental pela favela
para dar um novo gosto à vida! Também vir ao Rio e não ir à favela é como ir a
Roma e não ver o papa (bom, já fui 2 vezes a Roma e nunca tive esse prazer!).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como o que é bom acaba depressa, voltámos a São Paulo porque
o meu estágio começou em fevereiro e isso sim é que é a grande aventura!
Gostava de ter partilhado convosco ao longo deste mês o que foi acontecendo,
mas o horário das 7h às 19h (que na realidade era até às 20h30) foi tornando esta
vontade impossível. Por isso, as próximas histórias vêm com um mês de atraso,
mas prometo contar-vos aquilo que mais me impressionou, incomodou e que espero
que me transforme, nos transforme (?), porque se não perde a razão de ser! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Este <i>blog</i> é para
nos lembrar de estarmos ”conscientes, orientados e colaborantes” então vamos a
isso!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, tenho outra vez uma oportunidade gigante
para aprender a ser médica e a ser gente, espero com sinceridade estar à altura
do desafio!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos fiquem por aí, sintam-se em casa, gosto de
vos ter por perto!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-18310559642377048332016-01-24T14:25:00.001+01:002016-01-24T14:25:18.140+01:00De malas feitas…<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
(…) e aviadas no sentido mais real possível, espero eu,
porque as despachei em Lisboa e espero reencontrá-las em São Paulo!</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cá vou eu desta para o calor (se é melhor ou não, fica para
considerações futuras!), vou para o Verão durante duas lindas semanas de férias
e depois começa a história da aventura! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Desta vez, vou dedicar-me à Infeciologia Pediátrica ou como
eles gostam de dizer Infectologia Pediátrica! Escolhi São Paulo porque o
Hospital é muito bom e além da diarreia e da gripe na criança, de vez em quando
deve haver um dengue, uma malária, uma coisinha tropical para não deixar
esquecer o que aprendi a custo na Índia (e que custo, e saudades?).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
São Paulo (a cidade e não o último dos apóstolos) promete
aprendizagem, desconhecido e patologia pediátrica numa cidade com 20 milhões de
habitantes! Bom, ao calor e à confusão já estou parcialmente habituada,
esperemos que a comida seja melhor que na Índia (Será!! Será!! Viva a
picanha!).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Já eu prometo manter-me atenta com os olhos abertos (até
trouxe uns óculos novos) e com o coração desperto para o que vou encontrar
nesta nova aventura que espero que seja recheada de aventuranças!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
E vocês? O que é que prometem? Ler e comentar? Estar por
aqui e fazer a companhia que tanto faz falta quando estamos sozinhos em
ambiente tropical.(Espero que sim).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Leitor imaginário, promete que continuas por aí, és o meu
melhor leitor! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Restantes leitores, obrigada pela presença, pelas orações,
pelo cuidado… as histórias andarão e dançarão por aqui e até fins de Abril vai
mais uma etapa desta volta ao (meu/nosso) mundo!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um abraço diretamente do avião<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
P.S: Estou a publicar este texto com uma semana de atraso... a internet e os trópicos não rimam! </div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-21073981517385067362015-11-19T15:31:00.000+01:002015-11-19T15:31:59.679+01:00Muito açúcar, poucas remelas!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje levei a manhã a pensar em
como o meu mundo é pequeno. Ou será dos meus olhos? Desta miopia que teima em
voltar! Esta ideia bateu-me à porta no meio de uma aula sobre cobras venenosas.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E agora que já tenho a vossa
atenção, passo a explicar. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Durante as minhas duas últimas semanas aqui na Índia
estou a fazer um curso de Medicina Tropical, o que é uma oportunidade excelente
de sedimentar tudo o que vi e aprendi nos últimos tempos. O grupo de
professores é de grande qualidade, tudo gente com muita experiência e de vários
países, assim como os alunos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Começámos na segunda-feira com a
velha e boa malária, a ceifar vidas desde… sabe-se lá, há tanto para fazer, mas
há melhorias, há esperança. E, por aí fora, fomos navegando o mapa dos
trópicos, os parasitas, as diarreias, as crianças que não chegam aos 5 anos, as
doenças que não têm medicamentos porque não afetam as pessoas “certas”. Como
por exemplo, a doença do sono. Não, não é o cansaço que todos sentimos por não
dormirmos tudo o que precisávamos, é aquela que vem com a mosca Tsé-Tsé e que
vai matando africanos sem dar contas a ninguém. Sabiam que o único medicamento disponível
para a forma grave da doença ainda é à base de arsénio e que só por si também
mata os doentes, mas não temos alternativa… o mercado africano não é muito atrativo
para as farmacêuticas (silêncio!).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Continuamos a viagem com aquilo
que leva o nome de “doenças tropicais negligenciadas” ou achavam que a negligência
não se aplicava às doenças? Há para aí muito parasita a quem ninguém liga
nenhuma! Sozinhos no nosso mundo, abandonados à sua vontade. Mas, também, há um
grupo de inconformados que com um financiamento aqui e outro ali vão fazendo
andar a carruagem, e a ciência avança com passinhos de bebé enquanto empurra
com a barriga os constrangimentos, os interesses, os lados errados do mundo. Mas
avançamos!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E a semana dança no ritmo da
savana africana, das metrópoles asiáticas, dos rios da américa do sul, das
tribos da Papua Nova Guiné! Ai que ritmo, ai que “abre-olhos” como dizia o
outro, ai que sorte que esta mini infeciologista tem e um desabafo salta do
coração para a boca: “ é isto, é mesmo isto!”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entretanto vem a primeira aula da
manhã, beberico o meu açúcar polvilhado de leite com um bocadinho de café e oiço
o Sr. Professor, um senhor inglês com os seus 70 anos, homem brilhante,
fartou-se de publicar artigos, escreveu capítulos de alguns dos meus livros, já
viu muito, já fez muito, e não precisa de muito para me ganhar a atenção (o açúcar
também ajuda). Falamos de cobras venenosas e da sua importância médica, ele descreve
as cobras e os seus habitats, os venenos, os antídotos, mostra fotografias e
vai dizendo: “aqui na Tanzânia onde trabalhei 7 anos, nos anos 80, tivemos um
doente que veio 2 dias depois da mordida de cobra…”, mais uma fotografia: “
aqui em Bangkok onde ajudei a começar o hospital e onde trabalhei uns quantos
anos e tivemos este doente…”, “olha este é um doente na Nigéria”, “isto
foi no Panamá”… e continuou… A aula foi excelente, falámos dos bichinhos venenosos
quase todos, mas o melhor foi ouvi-lo falar, e não foi só o sotaque que achei
delicioso, foi a vida, uma vida inteira de verdadeiras aventuras a lutar contra
as negligências, uma inspiração! Hoje, cá estava ele na Índia com os seus cabelos
brancos, num subúrbio sem graça nenhuma onde não pára de chover, e a
cumprimentar-me com um “bom dia” que aprendeu no Brasil quando lá foi para
estudar as cobras. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No meio deste cenário, convenço-me
ou sou convencida (?) que vejo mal! Vejo pouco! E longe da vista, longe do
coração! Em resposta vou murmurando, em súplica, que quero ver melhor. Mais
longe, mais perto. Mais! Talvez assim o que vejo me chegue ao coração! Porque
só depois deste ajuste nos sentidos é que posso realmente contribuir e
participar na luta das negligências e da injustiça. Enquanto escrevo lembro-me
da D. Domingas, uma senhora que vi na Guiné, a primeira picada de cobra que vi…
não conseguimos fazer nada… e caminhei em silêncio com os olhos mais abertos. Hoje,
5 anos depois, volto a limpar as remelas do tempo e da mesmice e agradeço pelo
que vejo e peço para ver melhor! Para fazer melhor! Para servir melhor! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, não consigo
deixar de estar grata pela oportunidade gigante que estou a ter! Quero ver como
é que vou pôr isto tudo na mala daqui a 10 dias.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, se chegaram
aqui há pouco tempo e não conhecem as histórias da Guiné, andem para trás aqui no
blog e encontrarão um conjunto de aventuras africanas! Um abraço!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-91848466071744431642015-11-08T10:02:00.000+01:002015-11-08T10:02:26.993+01:00Os corredores da pediatria<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
<span style="text-align: justify;">Esta semana andei pela infeciologia pediátrica. Já não via
crianças na consulta ou na enfermaria há muito tempo, resultado: andei a maior
parte do tempo de coração encolhido, espremido na tentativa de manter os olhos
abertos e acabar com a visão em túnel.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="text-align: justify;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As crianças aqui são mais pequenas, enfezadas, a tisica, o
arroz sem mais nada, a lombriga e o resto dos parasitas intestinais, o muito
que correm, tudo isto dá em crianças magras, baixinhas, olhos encovados,
imunidade frágil, portadoras de doenças que nunca me tinham passado pelos
olhos, quanto mais pelas mãos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A semana foi assim, cheia de coisas novas, umas mais duras
do que outras, apimentada de sorrisos curiosos e bebés magrinhos! Lembro-me de
duas meninas na consulta, irmãs, muito parecidas, olhei para elas e pensei
devem ter 6-5 anos, elétricas, não pararam quietas, tantas perguntas num inglês
simples que fui entendendo com ajuda, interessadíssimas em conhecer-me, em
tocar-me e sem vergonha até um beijo na face me roubaram. Queridas meninas que
afinal tinham 11 e 10 anos, ambas com tuberculose óssea em tratamento. De
repente, involuntariamente, lembro-me dos nossos meninos com 11 anos, a quem
chamamos pré-adolescentes, com os seus telemóveis, os seus penteados, os
sapatos a condizer com o chapéu, e sim, o coração encolhe com as diferenças dum
mundo injusto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Continuamos, e vêm os meninos que têm VIH, com os seus xaropes
e comprimidos, tantos medicamentos para tão pouca idade, tantas consequências, um
futuro condicionado (…) O médico conhece-os bem, eles sorriem, e eu cá dentro
agradeço pelo avanço científico no VIH, falta muito, mas já temos muito,
obrigada pelos medicamentos e pelo conhecimento, obrigada porque não mandamos
estes meninos e os seus pais para casa sem solução! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O dia da visita à enfermaria é sempre mais difícil, aqui
eles estão mesmo doentes, muito dengue, muita meningite, a tuberculose sempre
presente, a pergunta constantemente dirigida a mim: “ Já tinhas visto isto?” E
a resposta constantemente repetida: “ Não, nós não temos, é a primeira vez que
vejo! Não temos doenças tropicais, ou temos vacina, ou temos um bom sistema de
cuidados de saúde primários (Ai é bom, é tão bom, vocês nem imaginam) ”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seguimos para a unidade de cuidados intensivos, bebés
entubados, crianças muito doentes, não gosto nada disto, de cama em cama, a
patologia vai piorando! Chegamos à última, uma menina de 9 anos com difteria,
vejo pela primeira vez uma doença que até agora era só a letra D ao lado do T na
vacina TD (tétano e difteria), quadro gravíssimo, tinha entrado ontem, 3 dias
de doença, a suspeita fez com que se iniciasse o tratamento, análises em curso,
umas horas depois vim a saber que a criança faleceu (silêncio). A vacina teria
evitado isto, 9 anos, aquilo a que chamamos morte desnecessária… Silêncio! E é
em silêncio que o coração se vai contraindo enquanto escrevo isto, a vontade de
fazer alguma coisa neste mundo desigual explode com a taquicardia, e de sístole
em sístole encho o coração com fome e sede de justiça! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A miopia melhora, o
coração está cheio e uma memória da semana passada reaparece, vi um jovem com
lepra, um leproso, já no fim do tratamento, quase sem sintomas, para a
infeciologista que vive dentro de mim foi ótimo, um caso de lepra, o primeiro
que vi na vida! Mas para a pessoa que vive dentro de mim, foi mais do que a
raridade da patologia, enquanto examinava os nervos da perna, lembrei-me do Mestre,
imaginei-o a tocar o leproso que ninguém queria tocar, um leproso bem mais doente
do que o que estava à minha frente, imaginei-o a tocar com a intensão de curar
muito mais do que a lepra, e o coração enche-se com vontade de se esvaziar!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, a viagem continua e a aprendizagem
também, estou contente e grata por esta oportunidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos um abraço aqui da Índia que continua quente
e suja mas cheia de coisas para aprender. Obrigada pelas mensagens, pelos
comentários, pela companhia…<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-80581825208378226152015-10-27T13:46:00.004+01:002015-10-27T13:47:28.779+01:00A courgette tem uma prima na Índia!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p> </o:p>São 8h da manhã. O silêncio
inunda a sala, lá no fundo ouve-se o barulho da ventoinha e cá no fundo é
difícil não ouvir a confusão dos pensamentos. Aconteceu tanto nestes quase 2
meses que será difícil encaixotar, fazer malas e partir, desconfio que depois
desta experiência haverão coisas que nunca mais irão embora, ficarão… farão
morada! Espero que sim.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então enquanto espero pelo início
da consulta, oiço o meu fundo, observo os dias que passaram e tento passar para
este caderno laranja o que é passível de partilha. Passaram duas semanas desde
o último texto, cheias, recheadas de aventuras e desejo de aventuranças. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No outro dia, dei comigo num
jantar do serviço em casa da chefe, ofereci-me para preparar um prato, mostrar
a gastronomia portuguesa e, finalmente, comer o que gosto! Mas, como tudo na
Índia, foi extremamente difícil! Primeiro, tinha de ser vegetariano, dadas as
especificidades alimentares da religião, depois tinha de encontrar os
ingredientes. Acabei por fazer as minhas <i>courgettes</i>
recheadas (uma espécie de prato de assinatura), que de Portuguesas não têm
nada, mas são vegetarianas, ou pelo menos, desta vez foram, porque
originalmente levam cogumelos, bacon e queijo de cabra. Aqui fiz com cogumelos
(viva os fungos ecuménicos) e paneer (um primo indiano em 4º grau do requeijão).
Cheguei mais cedo e mãos à obra, numa cozinha que não é minha, com um palato
tão diferente dos que habitualmente se sentam à minha mesa. Antes disso fui às
compras, uma linda aventura, trouxe 2 enormes legumes esbranquiçados, parecidos
com <i>courgette</i>, ali algures entre a
abóbora e a <i>courgette</i>. O medo do
pepino só acabou quando as abri ao meio e vi o que se assemelhava ao
pretendido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois lá fui, o prato foi
acontecendo, com olhares de estranheza, com perguntas sobre o conteúdo, um
legume aberto ao meio, sem especiarias, sem óleo, sem molho?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E eu segura! E eu contente!
Escondida atrás da prima da<i> courgette</i>!
A cozinha não era minha, mas são todas parecidas, o prato não é igual, mas é
parecido. Parecido é bom! Parecido é familiar! É bom estar em casa outra vez!
Afinal a fome e a vontade de comer o que nunca se comeu mas cheira bem são
dogmas internacionais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Voilà</i>! Courgettes recheadas na mesa… E não é que gostaram! Comeram
tudo! E eu sentada no chão a observar, somos todos iguais, mais picante menos
picante. Conversámos, contaram-se histórias, o apetite abriu-nos a boca e o
coração. Boas <i>courgettes</i>! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A Índia vai-se aproximando com
uma abordagem cheia de solavancos. Aqui as relações são difíceis, cheias de
porcelanas, de hierarquias, de preconceitos (?), estranha-se o novo, acolhe-se
com cautela, então com pezinhos de lã, com legumes recheados, sorrisos sinceros
e alguns relatos de aventuras passadas nesta terra incrível, com tudo isto vou
conquistando um espaço, pequeno e apertado como todos os espaços na Índia!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mesmo quando me perguntam as
coisas mais insólitas, como aquela vez em que um dos médicos mais respeitados
do serviço me perguntou que língua é que os médicos portugueses falavam entre
eles? E que língua é que se fala nas faculdades de medicina? Seguido de uma
cara de espanto quando lhe digo que é Português e não Inglês. (É com cada uma…).
Depois veio o clássico erro, mas não menos engraçado, ao falar de Portugal
alguém cheio de certeza exclama: “Oh como eu gostava de visitar o teu país, o
Rio de Janeiro deve ser lindo!” (Rir dos outros é feio!). E lá expliquei a
geografia da velha Europa. E não, a nossa comida não é como a espanhola
(cruzes, credo!), nem como a italiana, nem como a grega. É nossa e é a melhor
do mundo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, é assim… Vamos
alimentando o povo de “prima de <i>courgette</i>”
e de cultura geral!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes leitores, abraços,
abraços. Falta menos, custa menos! Obrigada pela companhia!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-12965255839852419322015-10-15T21:18:00.002+02:002015-10-16T06:05:31.585+02:00Ainda a procissão vai a meio…<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Falta metade! E é caso para dizer
o pior já passou. Esperemos! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O dia alongou-se, cheguei ao
hospital às 8h e vim no autocarro das 19h30, um dia destes habituam-se e ainda
me metem a fazer urgências de 24h. Por falar nisso, tenho umas certas saudades
de fazer urgência, saudades da equipa, das loucuras da sala de reanimação,
saudades de estar em casa (o hospital também conta como casa, uma espécie, um sótão!).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A viajem para casa foi gira, já
tinha escurecido e a cidade transformou-se. Sentadinha no banco do autocarro,
entre solavancos, assisti em “primeira classe” ao espetáculo noturno, as
famílias cá fora, as barraquinhas de comida apinhadas de gente, homens a beber
chá na beira da estrada, veículos de todos os tamanhos e cores em cima uns dos
outros, luzes coloridas penduradas sem preocupação aos cantos, nos toldos, onde
houve lugar, a música estridente e alegre, as buzinas de vários timbres, eu… e
um sorriso estampado. Os pensamentos voam, lembro-me do dia que passou, tão
cheio e bom (!). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Começou com a visita médica à
enfermaria, lá vamos nós cama a cama discutir diagnósticos, confirmar a
história com a família que está sempre lá e não arreda pé do lado do doente,
palpar as barriguinhas à procura de baços e de fígados, revemos radiografias,
confirmamos suspeitas.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aprendo sempre tanto! </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Apesar do calor que começa pela
manhã, das muitas escadas, da azia que me acompanha, do sono que pesa nos olhos
e daquela sensação de que não sei o que devia saber, devia estudar mais, tenho
de estudar mais, sentimento que rói as entranhas e as confianças e que me faz hesitar
as respostas que estão à porta da língua e que roídas e encolhidas voltam para
dentro. Apesar! Agora é mais fácil! Tenho menos medo de errar, pergunto mais,
postulo, discordo, digo piadas (Tento! O inglês é uma língua muito insípida.) e
aos bocadinhos esta casa também vai sendo minha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E o espanto mantem-se! E o sorriso também! Muito
se aprende aqui! Muita infeção, muita meningite tem esta gente, não é só a doença
é a história que espanta. No outro dia, a filha a contar as alterações
neurológicas da mãe, refere que a senhora veio para o hospital porque comeu cocó
(!), não vá o médico não perceber a gravidade da situação. E o outro que foi
com a vaca ao veterinário para as vacinas, o bicho assustou-se deu um coice, o
dono caiu e dias depois estava já cheio de febre e de infeção, mas o problema
dele foi a vaca, não foi o VIH que ele andava a passear aos anos! Pobre vaca!
Os insólitos! A Índia!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Dou comigo com o tal sorriso
estampado, enquanto me passeio neste hospital gigante que tem guardas com apitos
a direcionar pessoas e os carros, e lembro-me do privilégio e apesar de
peganhenta e com fome, sorrio! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Depois chego ao escritório onde
nos últimos dias me tenho dedicado à ciência, bela ciência esta de pôr dados
numa folha de Excel, mas é assim que se constrói um bocadinho, uma colherzinha
de ciência e um nome numa publicação internacional.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto estou de olhos em bico a
registar biópsias surge um convite para dar uma aula aos alunos de medicina do
terceiro ano e lá vou eu, ver como corre, e vejo o doente com eles, aconselho a
não ter medo de tocar, a olhar nos olhos, a ouvir, a prestar atenção aos
detalhes, a pele, a marcha, o pulso… Por momentos, lembro-me das minhas
primeiras excursões pela enfermaria em Santa Maria, que medo, que estranho, a
ideia impossível de acabar um curso interminável. Agora, pouquíssimos anos
depois, num sítio improvável ensino a tocar no doente como aquele professor
imponente me ensinou, e assim passo o testemunho aos jovens médicos que serão, quem
sabe, médicos no nenhures da Índia. O sorriso volta e veio para ficar. Que bom,
esta ideia de ter contribuído com um grãozinho na construção destes novos
médicos, que privilégio!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volto à cadeira e ao Excel e
muitos dados depois são horas do autocarro, hoje até enquanto atravesso a
estrada o que é sempre assustador, penso no tal privilégio e não consigo deixar
de sorrir! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, de grão a grão
vou enchendo o papo de sorrisos! (e de papaias… que boas papaias!)<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitores que por acaso ou convicção
foram apanhados por aqui, um abraço para todos, espero que estes grãos também vos
ajudem nas vossas obras. <o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-41238367241655618682015-10-06T17:40:00.000+02:002015-11-21T20:46:00.352+01:00Coisas boas?<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Hoje o dia correu bem! Tenho a
sensação de que quando finalmente estiver habituada e me sentir um bocadinho em
casa, chegou Dezembro e é tempo de fazer a mala! Os dias muito bons aqui são
raros, mas têm vindo a aumentar de frequência!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então decidi trazer-vos, a vocês
e à velhota pessimista que vive dentro de mim (numa cadeira de balanço com
gatos) as coisas boas desta terra! Lembro-me de ter feito isto na Guiné talvez
o leitor imaginário se lembre e na altura ajudou-me a pôr as coisas em perspetiva,
na maioria das vezes é mesmo isso, uma questão de dioptrias e de degraus. Então
hoje subimos juntos aqui à montanha de Vellore, olhamos cá para baixo e
observamos o top 5 cá da vila!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="font-stretch: normal; text-indent: -18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="font-stretch: normal; text-indent: -18pt;">1.</span><span style="font-size: 7pt; font-stretch: normal; text-indent: -18pt;"> </span><span style="text-indent: -18pt;">Os
fungos! A sério, aqui as pessoas têm infeções fúngicas como nunca imaginei! É
lindo (ponto de vista do infeciologista: é espetacular, é brutal, tira uma
fotografia por favor!). Passo a explicar, o Sr. Kumar (equivalente de Zé
António) tem uma impressão na perna de alguns meses a esta parte e, por isso,
vai ao médico: Oh Sr. Kumar mostre lá a perninha, ele levanta uma espécie de
pano aos quadradinhos que os homens enrolam à cintura que vem até aos pés (portanto
uma saia!), e quando me aproximo vejo sair, ali da perna do Kumar, uma coisa gigante
tipo couve, vem de lá uma lesão enormíssima cheia de nódulos do tornozelo ao
joelho e fico a olhar maravilhada, enquanto os médicos indianos mandam para o
ar todos os diagnósticos que acabam em micose! E isto, caros leitores, faz o
dia de uma pessoa! Já me estou a imaginar em Setúbal, qual sábado de banco, à
procura de funguice nas pernocas das velhotas!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;">2. O
lemon rice! Não é arroz com limão, é arroz amarelado com ligeiro aroma a
citrinos e com amendoins! É picante, traz 2 ou 3 malaguetas, mas é um bocadinho
menos que os outros, e agora posso afirmar que já provei todas as possibilidades
de arroz, e este é o melhor. Sendo assim, quase todos os dias, almoço este belo
petisco. Um regalo! Uma malga de arroz, meio litro de água e já está, mais um
dia (Sim, é mesmo só o arroz com arroz)! Ai, é melhor não falar muito de comida, a ideia deste texto é descrever as
coisas boas que tenho aqui!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;">3. O
café! Vá não se exaltem, eles aqui não têm café (sabem lá eles o que isso é!).
Chamam café ao galão (mas do clarinho). No primeiro dia, perguntaram-me se
queria um café, eu agradeci a gentileza, agarrei no copinho de papel (chávenas
nem vê-las) e deparo-me com o tal galão. Eu nunca bebo café com leite, mas
pronto, estão a oferecer, não vou fazer a desfeita, o problema… Ai o problema é
a nata! Detesto nata! E aquilo tinha um natão gigante. E agora? Lá me pus aos
malabarismos com o copo a tentar colar a nata aos lados para poder beber à
vontade e quando, finalmente, ganhei a luta e experimentei o cafezinho, pimbas
era doce que doía, e é sempre assim… o café, o chá, o sumo de laranja tem tudo
muito mais açúcar do que precisa! Mas, agora que já me estou a habituar,
sabe-me bem o tal café a meio da manhã!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;">4. O
campus universitário! O campus é a uns 20 min de autocarro do Hospital e é aqui
que vivo! Foi extremamente difícil arranjar um quartinho, já mudei de quarto 3
vezes, mas agora, finalmente, tenho esta caminha confirmada até ao fim da jornada!
Isto é uma espécie de Oásis no meio da Índia! Aqui é tudo arranjadinho, verde,
silencioso, até há esquilos, macacos e avestruzes! Acima de tudo é seguro e dá
para descansar a cabeça das buzinadelas!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 0px;">
<span style="text-indent: -18pt;">5. O
jantar de quarta-feira! Reza a lenda que desde 2007 que às quartas-feiras,
todos os internacionais a estagiar aqui se juntam para jantar num hotel aqui
perto, comida indiana, mas melhorzinha! O melhor jantar da semana, há sempre
pessoas novas para conhecer e há uma sensação de ocidente e familiaridade que
se junta à mesa e que sabe tão bem!</span></div>
<div class="MsoListParagraphCxSpLast" style="mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: -18.0pt;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, hoje deixo-te
o top 5… um dia destes conto-te o resto!<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes leitores e amigos, como
viram isto não é assim tão mau… tem é açúcar a mais! <o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-37283898186520820142015-09-28T17:01:00.005+02:002015-09-28T17:01:56.820+02:00Passou um mês!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Passaram muitas coisas. Todos os
dias há uma avalanche de sentimentos que destrói, destrói e depois constrói,
todos os dias. A Índia é um sítio difícil para viver! Demasiado calor,
demasiado pó no ar, há picante em tudo o que está no prato, buzinadelas constantes
e ensurdecedoras e há a diferença e a distância cultural. Não é mau, é
diferente!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda agora, 5 minutos antes de
começar a escrever, enquanto estou sentada à espera do médico para irmos ver os
doentes, está um homem em pé a 1 metro de distância de mim, a olhar-me
fixamente nos olhos, tempo suficiente para eu reparar, olhar rapidamente para
confirmar, baixar o olhar e pensar: “O que é que acontece se eu fizer o mesmo?”
E olhei para ele olhos nos olhos… A ver quem ganha! Depois de segundos que
pareceram largos minutos ele desviou o olhar, e eu pensei: “Desconfortável, não
é? Toma lá que é para aprenderes!” Mas afinal aprender o quê? O conceito de
espaço pessoal? É tão diferente! É tudo tão diferente! Estas diferenças que até
são engraçadas com o tempo custam, pesam, irritam… Cansam!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No entanto, depois olho à volta e
lembro-me do privilégio. O que é que este projeto de infeciologista está a
fazer neste subúrbio indiano? Este sonho de ser relevante, este desejo de justiça
e a vontade visceral de contribuir trouxeram-me aqui. Então entre tropeços e
saltinhos de alegria vamos andando. Andando e agradecendo pelo privilégio,
mesmo nos dias difíceis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A semana passada foi difícil!
Morreu um menino de 17 anos, o primeiro caso de raiva humana que vi. Fizemos
tudo, cuidados intensivos, protocolos experimentais, tudo. A raiva mata quase
sempre, mas falta o quase, e a esperança estava lá no quase, durou 24 dias e
depois já não havia quase (silêncio). A família recebeu a notícia com tanta
tristeza, tanta que nem a minha falta de <i>Tamil
</i>me impediu de ver, poucas lágrimas, sentidas, profundas, eles já não tinham
“quase” e eu quase que chorei ali com eles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Uns dias antes, partiu um amigo,
daqueles que são família, e eu estava aqui e eles estavam aí (vocês?). E ao
telefone, tanto telefone, a distância tão grande e eu tão pequena com o coração
minúsculo, espremido, apertado, destruído. E, mais uma vez, quase chorei com
eles (quase?).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas hoje pela manhã, uma brisa
surpreendentemente fresca lembrou-me que depois da destruição deve vir a construção.
Que venha! Venha e fique por cá!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Então, hoje, neste dia cheio de
Índia em que continuo à espera do tal médico, com fome, azia e 3 dedos de
frustração, hoje… Mãos à obra! A vida é curta e já começou. Que venha a Índia,
que venha e de caminho traga uns óculos para a miopia que teima em permanecer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, hoje ficamos
assim, a ver se um dia percebemos estas índias.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes leitores, um abraço com
saudades vossas!<o:p></o:p></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-81344911703418089032015-09-20T10:31:00.001+02:002015-09-20T11:13:54.397+02:00O 1º dia de escola<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
As férias estenderam-se mais uns
dias. Memoráveis. Lembranças que vão ficar connosco para sempre. Não
necessariamente pelo luxo ou pelo conforto do descanso, mas pela companhia que
com o passar do tempo se torna cada vez melhor. As conversas salpicadas de
silêncios confortáveis, de observações quase sempre fora do contexto, de passeios
de mota à chuva no meio da floresta, de quedas de mota e joelhos esfolados (cotovelos,
ombros e mais houvesse!) numa ilha espetacular, de horas e horas passadas em todo
o tipo de transportes públicos, dos insólitos (adoramos o insólito), tudo isto
transformou este tempo de férias num grande depósito de felicidade!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi com o saco cheio destas aventuras que ele
se foi embora e eu fiquei! Fiquei para dar início a outro tipo de aventura, um
solo que pode parecer loucura. Talvez seja.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O que é que estás aí a fazer? A resposta
mais honesta é que estou aqui para aprender. Crescer. A ver se acrescento
alguma coisa a este coração míope e ao léxico do diagnóstico diferencial que
carrego comigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A odisseia começou em Setembro,
já lá vão 3 semanas, não tenho escrito mais, porque às vezes não sei como
descrever o que por aqui se passa, mas quero muito cumprir a promessa feita a
meia dúzia de amigos e companheiros de caminhada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O hospital é gigantesco e está
sempre, faça chuva ou faça sol (frio é que nem vê-lo), cheio de gente, há gente
por todo o lado, e gente muito doente, muito doente e muito nova. Atrevi-me a
fazer um comentário do género: “Os vossos doentes são tão jovens, nós lá temos
o hospital cheio de idosos!” A resposta veio apontada diretamente ao meu
coração ocidental: “ Os velhos ficam em casa, eles nem os trazem, e quando os
trazem raramente os internamos, seria um desperdício de recursos.” Engole em
seco, fica calada, olha para o chão, sente o choque cultural! E o choque contínua,
quando no fim da consulta se fala de dinheiro, a saúde tem preço e escalões, o
papel amarelinho mostra o orçamento do internamento que é necessário, o doente
responde que não veio preparado, voltará depois… Em sístole rápida, ansiosa,
tento desatar o nó do estomago e olho novamente para o chão (silêncio).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E assim se passam os primeiros
dias, a realidade é nova, cheia de pontas aguçadas que se espetam na minha ideia
de saúde e de justiça, mas foi para isso que vim, para lutar contra a miopia. Mas
há mais, muito mais! Tenho aprendido tanto! Isto é um manancial para a infeciologia,
há de tudo, das bactérias aos fungos, passando pelos parasitas, sem nunca esquecer
os vírus… até o vírus da raiva (vi um caso de raiva logo no primeiro dia, nunca
tinha visto). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Cá ando eu de caderninho laranja a escrever tudo o que vejo, a
fazer um esforço enorme para perceber o inglês à indiano, a suar as estopinhas
nas muitas escadas do hospital e a beber golinhos de água no corredor meio às
escondidas, sempre cansada, sempre com fome, mas com a certeza de que estou no
sítio certo. De vez em quando isto lembra-me a Guiné, vem me à mente aquela
frase: “ A vida é dura para quem é mole”, aqui apetece-me dizer: ”A Índia é
dura e eu sou mole! Molinha!”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Querido leitor imaginário, a Índia
é dura e picante mas também alimenta e disto é que eu preciso para crescer!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos continuamos cá
até Novembro, mais 10 semanas de choques, aprendizagens, frustrações, arroz e
papaia, onde a vossa companhia é mais importante do que imaginam. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um abraço!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-64085727748550342802015-09-08T19:41:00.001+02:002015-10-27T14:18:58.251+01:00As montanhas, a mota, e o … do elefante!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alugámos uma mota! Yeah! Com o nosso próprio meio de
transporte deixamos de estar à mercê da indústria do turismo local com as suas
excursões e pacotes sensacionais, assim podemos fazer o nosso itinerário,
poupar dinheiro e chatice.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Queríamos ver os elefantes, os tigres, as quedas de água da
imponente “rainforest” de Chiang Mai… queríamos ver tudo e em poucos dias,
porque as férias são curtas e a Tailândia é grande!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Capacetes apostos lá fomos montanha a dentro! Lindo.
Exuberante. A natureza explodiu ali e não contou a ninguém. A viagem de mota
foi acompanhada de saltos e solavancos no meio da expressão repetida em
desabafo: “Ai que sorte! Ainda bem que viemos!” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E os elefantes? Encontrámos uma placa com um elefante
pintado, fomos lá. Afinal não era bem um campo de elefantes, era na verdade,
verdadinha, um sítio de reciclagem de resíduos elefantídios do foro intestinal,
portanto, reciclavam cocó! Cocó de elefante! Verdadinha, já tinha dito! As
criaturas (de mente verde e ecológica) dedicaram a sua existência à reciclagem
do “dito” do elefante e, olha, que fazem lindos bloquinhos, postais e afins em
papel reciclado de “ vocês já sabem” de elefante. Até têm uma espécie de curso
em que ensinam a fazer a reciclagem e tudo, a isso não fomos porque o dinheiro
custa a ganhar e não é para andar para aí a mexer em cocó, sem desconsiderar os
elefantes que são animais muito fofinhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lá comprei um bloquinho de… cocó! Teve de ser!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Algures nas muitas voltas que demos naquelas montanhas lá
descobrimos as cascatas, o campo dos tigres e encontrámos, finalmente, os
elefantes (desta vez o produtor e não só o produto), foi espetacular, foi
mesmo, mais uma vez, “que sorte!”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volta aqui, volta ali, começou a chover e era vê-los em cima
da mota, com os seus casaquinhos “impermeáveis” molhadinhos até aos rins (todo
o Português sabe que não há coisa pior que uma pontada de ar nos rins, é logo
meio caminho andado para ter um princípio de pneumonia, entidade nosológica
gravíssima). A saúde conservou-se. Horas depois, muita chuva depois, decidimos
voltar para casa, porque à noite todas as árvores são pardas, as curvas
apertadas e a mota assusta-se e isso não interessa a ninguém. Partimos, mas um
pensamento foi ficando: “ O que é que eu vou fazer com o bloco? Que desperdício
escrever listas de compras ou recadinhos! Aliás aquilo que era um desperdício
deveria agora tornar-se muito útil.” O pensamento ficou, andou, ruminou, foi
ruminado e depois mastigado e depois … (já chega!). Depois tive uma ideia! Cada
página deste bloco vai ser um local de agradecimento! Diariamente, vou eleger um
acontecimento ou experiência que me fez sentir agradecida! É da maneira que vou
conseguir combater os momentos de “auto-lamentação” na Índia (eles vêm aí)! E
assim será, a ideia foi aprovada por unanimidade em reunião familiar. Todos os
dias uma frase, todos os dias uma coisa que faz exclamar: “que sorte,
obrigada!”. A ver se a reciclagem não se fica só pelo cocó do elefante, que há
por aí e por aqui muito “resíduo” a precisar de uma lavadela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, agora é que eu vou ser uma pessoa
ecológica!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes amigos, um abraço para todos, as histórias andam
atrasadas… mas estão a caminho!</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Entretanto, porque não dedicarmos uns minutos das
nossas vidas “super importantes” a agradecer e a reciclar (pode ser renovar,
também pode ser a mente em vez de cocó… como dizia o outro). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8589501066594534626.post-23008507303846071402015-08-30T14:00:00.001+02:002015-08-30T14:00:10.341+02:00As banananinhas de Chiang Mai<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deixámos Bangkok em direção ao Norte da Tailândia, Chiang
Mai. Com uma ideia em mente desde Lisboa: descansar, sem grandes planos e
itinerários, parte da aventura é mesmo isto, ir descobrindo à medida que vamos andando,
sem saber os pontos de paragem, tendo apenas em mente o voo para Bombaim no fim
do mês. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Chegámos no início da tarde a um “belo” quartinho virado
para a estrada principal (desta vez o colchão era melhor), o chamado
preço-qualidade satisfatório.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Moída de mais uma viagem e de noites mal dormidas, contudo
com vontade de ver e cheirar a nova cidade e diga-se cheia de fome, lá fui eu
sozinha em busca dos misteriosos encantos e lanches desta terra. Sozinha porque
a nossa linda equipa tinha um membro cansado e cheio de sono… lá fui à procura
de qualquer coisa que se comesse!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A ideia era virar à direita no fim da rua e ir em frente.
Fui, encontrei um batido de manga e ao voltar pelo mesmo caminho, avistei uma
agitação levemente compatível com um mercado! Ai, o que é que eu ia fazer para
o Hotel onde a convalescença ainda jazia? Desta vez teria de virar à esquerda
na oficina de motas e seguir em frente, voltar seria fácil era só fazer o
caminho para trás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Abandonei o enjoativo batido de manga e entreguei-me ao
petisco nas barraquinhas de rua, que maravilha! E à minha frente o famoso
mercado de Chiang Mai no seu tímido “montar a barraca”. Comprei um cacho de
mini bananinhas e biscoitos secos em solidariedade e fui passeando por ali.
Adoro estas confusões recheadas de fruta que nunca tinha visto, galinhas,
roupas e carradas de gente de todos os tamanhos e feitios. Pensamento sim,
pensamento não, imaginei-me na Índia às compras para o jantar, a regatear o
preço em Tamil… Vai ser giro, uma parte de mim nasceu para isto, a outra vai
ter se adaptar, como diriam os Guineenses: “Sufri”!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Volta aqui, volta ali, começou a anoitecer e pus-me a
caminho de casa, orgulhosa da minha expedição a solo. Nem tive muito tempo para
elogios próprios, porque rapidamente percebi que estava um bocadinho perdida, a
noite trouxe a abertura de um sem número de barraquinhas e o fecho de outras
lojas. De repente, a rua aumentou de tamanho e mudou de cor, tentei fazer o
caminho para casa uma vez, duas vezes, três vezes, quatro e depois deixei de
contar. Não tinha telemóvel porque ficou a carregar, não sabia a morada e
lembrava-me mal do nome do Hotel… eu saí para ir ali ao fundo da rua e acabei
num grande mercado! O consumismo dá cabo de nós!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Já meio desesperada entrei numa loja na esperança que
reconhecessem o nome que eu achava que o Hotel tinha, mas não! Mais 3 voltas… e
escuro muito escuro! Já totalmente desesperada entrei numa loja de óculos, as
meninas tinham um ar confiável e de quem falava inglês, na verdade foram muito
prestáveis até um copinho de água me deram, mas o inglês era inexistente, lá
consegui que me deixassem usar a internet e finalmente cheguei ao nome e morada
do hotel que afinal era pertíssimo. Fui para a porta chamar um <i>Tuk-Tuk</i> e
enquanto estou de telemóvel alheio a mostrar o mapa ao motorista e a regatear o
preço, olho para trás e aparece o meu diligente marido! Caso para dizer
“encheu-se-me o coração de esperança!”. Fica o conselho avulso: “ jovens quando
escolherem um marido, arranjem alguém que vos encontre quando se perdem!
Melhora significativamente a convivência”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Bom, lá fomos para casa… com as bananinhas e os erros de
orientação!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Leitor imaginário, prometo que na Índia não saio de casa sem
o <i>Google maps</i> ou um daqueles chapéus
dos miúdos das colónias de férias com a morada e o número de telefone da
escola. Ai a minha vida!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Restantes viajantes que por aqui vagueiam, já chega de
aventuras destas amanha vamos ver os elefantes! Um abraço para todos. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
Biancahttp://www.blogger.com/profile/00435707108273193346noreply@blogger.com2